É importante refletir sobre o esforço de investigação dos cientistas portugueses na área da saúde feminina.

 

Artigo da responsabilidade do Prof. Dr. Miguel Castanho. Investigador principal no Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (iMM) e professor catedrático na Faculdade de Medicina de Lisboa. Lidera vários projetos internacionais, entre eles, o projeto “Protecting the Brain from Metastatic Breast Cancer”, financiado pela fundação “La Caixa”.

 

Os progressos na luta contra o cancro, nas últimas décadas, têm sido enormes. Comparado com os tratamentos à disposição dos nossos avós, as terapêuticas atuais são muito mais diversas, mais seguras e mais eficazes.

Mas não acontece assim com tudo. Medicamentos analgésicos, por exemplo, tiveram avanços muito mais modestos no combate à dor. Em matéria de cancro da mama, os avanços também foram reais, mas não chegaram a todos os tipos de cancro da mama. É o caso do chamado cancro da mama triplo negativo, que deve o seu nome à falta de três pontos de ataque possíveis usados por medicamentos contra o cancro de mama. Este é um tipo de cancro raro, mas muito agressivo, que atinge sobretudo mulheres jovens, geralmente com menos de 50 anos, e que apresenta uma taxa de mortalidade elevada, variando entre 30% e 40% em 5 anos.

NOVOS MEDICAMENTOS PRECISAM-SE!

Apesar dos esforços da comunidade científica, até à data, o cancro da mama triplo negativo permanece sem terapêuticas dirigidas. A única solução é usar outros medicamentos, que não atacam pontos específicos exclusivos das células do tumor, mas sim outros pontos que também existem em outras células. Este ataque dos medicamentos a outras células pode levar a efeitos secundários bastante pronunciados.

Novos medicamentos, mais assertivamente dirigidos ao tumor em cancro da mama triplo negativo, precisam-se! É para isso que trabalhamos, enquanto bioquímicos do Instituto de Medicina Molecular e da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, em parceria com a Faculdade de Farmácia da mesma Universidade.

O PROBLEMA DAS METÁSTASES CEREBRAIS

O cancro da mama, tal como outros tumores, esconde um outro perigo, igualmente importante: as metástases, que são células do tumor disseminadas pelo corpo. No caso do cancro da mama, as metástases cerebrais são das mais relevantes, não só pelo número de ocorrências, como pela ansiedade que causa a possibilidade de desenvolver lesões que possam afetar o cérebro.

O ideal será, então, que os novos medicamentos que estão a ser criados e testados pelos cientistas sejam cada vez mais seguros e eficazes, não só contra o cancro da mama em si, mas também contra as metástases cerebrais.

Esta ambição é travada pelo facto do cérebro barrar a entrada à quase totalidade dos compostos que desconhece. Na prática, isto quer dizer que poucos compostos, incluindo a maioria dos medicamentos, consegue passar da corrente sanguínea para os tecidos cerebrais. É um excelente mecanismo natural de defesa, mas que, na hora de tratar males que afetam o cérebro, se revela um sério problema.

MEDICAMENTO INOVADOR EM DESENVOLVIMENTO

No Instituto de Medicina Molecular e na Universidade de Lisboa, trabalhamos no desenvolvimento de um medicamento inovador que combina a capacidade antitumoral, ou seja, é capaz de destruir as células do tumor da mama triplo negativo, com a habilidade de “enganar” e entrar no cérebro e, assim, eliminar as metástases cerebrais.

O objetivo é criar um medicamento novo, que possa, futuramente, ser usado no tratamento do cancro da mama, sem efeitos secundários severos, e capaz de evitar a progressão de metástases cerebrais. Com este trabalho, pretende-se contribuir com uma solução eficaz para um problema que persiste e afeta muitas mulheres, apesar dos avanços na luta contra outros tipos de cancro.

Artigo publicado na edição de junho 2022 (nº 328)