O lúpus eritematoso sistémico (LES) é uma doença reumática sistémica crónica, na qual existe produção de anticorpos contra células ou proteínas do próprio organismo. É uma doença que se denomina sistémica, uma vez que pode afetar praticamente todos os órgãos ou sistemas de órgãos do corpo humano. É uma doença reumática, desafiando um pouco o conceito popular de doença reumática, que evoca para envolvimento de ossos/articulações.

Artigo da responsabilidade do Dr. Diogo Jesus. Reumatologista, Centro Hospitalar de Leiria. Doutorando em Medicina, Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior

 

Estima-se que o lúpus afete cerca de 5 milhões de pessoas em todo o mundo. Em Portugal, de acordo com dados de um estudo de grandes dimensões que avaliou a prevalência das doenças reumáticas em Portugal (EpiReuma), estima-se que existem cerca de 100 casos de lúpus por cada 100 mil habitantes. Estes resultados são comparáveis aos de outros estudos europeus.

Os sintomas e as manifestações clínicas

Os sintomas e manifestações clínicas são diversos, podendo variar entre doentes e no mesmo doente ao longo do tempo. Os sintomas mais comuns incluem fadiga, erupções cutâneas, fotossensibilidade, ulcerações na boca e nariz, queda de cabelo ou dores nas articulações.

De uma forma geral salientam-se como manifestações:

  • Sintomas constitucionais: fadiga, febre ou perda de peso. Estes sintomas são inespecíficos, sendo necessário excluir outras causas.
  • Manifestações mucocutâneas: a erupção avermelhada nas maçãs do rosto e dorso do nariz em forma de borboleta, é a manifestação mais típica. Contudo, podem surgir outro tipo de lesões, incluindo queda de cabelo ou úlceras nasais e orais.
  • Manifestações articulares: dor e inflamação das articulações (artrite).
  • Manifestações hematológicas: anemia, redução dos glóbulos brancos e plaquetas.
  • Manifestações renais: inflamação dos rins (nefrite).
  • Manifestações cardiopulmonares: pode ocorrer dor torácica que agrava com a respiração profunda por inflamação das membranas que envolvem os pulmões e o coração.
  • Manifestações neuropsiquiátricas: alterações cognitivas, delírios, convulsões ou dores de cabeça.

O desafio e a importância do diagnóstico precoce

O diagnóstico do LES baseia-se nas manifestações clínicas, exame objetivo e análises laboratoriais. As análises laboratoriais podem evidenciar a presença de anticorpos associados ao LES, mais frequentemente os anticorpos antinucleares (ANA) que estão presentes em mais de 98% dos doentes. Contudo, estes anticorpos podem surgir tanto em pessoas com outras patologias, como em pessoas saudáveis, pelo que sem uma história clínica detalhada e um exame físico rigoroso os testes laboratoriais não são suficientes para o diagnóstico.

Quando existe suspeita de LES, os doentes devem ser encaminhados para um centro especializado o mais precocemente possível, de forma a ser estabelecido o diagnóstico e instituir o tratamento adequado.

As estratégias terapêuticas têm melhorado o controlo da doença e a qualidade de vida

O tratamento do LES é complexo e deve ser individualizado tendo em conta os órgãos envolvidos e o grau de atividade da doença. O objetivo do tratamento é manter a doença inativa e prevenir as agudizações.

A base do tratamento é a hidroxicloroquina, um fármaco que funciona como imunomodulador, ajudando a controlar as manifestações ativas da doença, reduzindo o risco de novas agudizações e diminuindo o risco de danos irreversíveis. Quando existem agudizações pode ser necessário recorrer ao uso de corticoides ou outros imunossupressores como o metotrexato, a azatioprina ou o micofenolato de mofetil.

Felizmente, após mais de 40 anos sem surgirem novos fármacos, na última década foram desenvolvidos e aprovados dois novos tratamentos imunossupressores biotecnológicos: o belimumab e o anifrolumab. Estes fármacos são anticorpos monoclonais mais específicos que bloqueiam fatores de sobrevivência dos linfócitos autorreativos ou mediadores inflamatórios. Permitem reduzir o grau de atividade do lúpus, reduzir ou suspender os corticoides e melhor a qualidade de vida.

Além do tratamento farmacológico, é também muito importante a adoção de estilos de vida saudável, com uma dieta equilibrada e exercício físico regular. A exposição não protegida ao sol e o tabagismo devem ser evitados.

Atualmente, com os avanços científicos que se traduzem em diagnósticos mais precoces, novas estratégias terapêuticas e utilização de novos fármacos mais eficazes e com menos efeitos secundários a longo prazo, a maioria das pessoas com lúpus tem uma esperança de vida equiparável à da população geral.