Das soluções da primeira metade do século XX às mais recentes técnicas de artroscopia, conheça a evolução do tratamento cirúrgico das lesões da anca.

Artigo da responsabilidade do Dr. Filipe Oliveira. Coordenador da Unidade da Anca e Bacia do Hospital CUF Tejo

 

A cirurgia da anca, tal como a cirurgia das diferentes áreas anatómicas de Ortopedia, divide-se em dois grandes grupos: a Traumatologia, para o tratamento de fraturas, e a Ortopedia eletiva, para o tratamento de doenças degenerativas.

As fraturas da anca mais comuns são as fraturas do fémur proximal, mais conhecidas como fraturas de colo do fémur. Ao contrário de outras fraturas não articulares, em que a imobilização com gesso pode constituir uma forma eficaz de tratamento, a sua utilização neste tipo de lesões tinha muito maus resultados. Isto motivou um intenso trabalho de investigação e desenvolvimento, durante grande parte do século XX, que culminou na criação de soluções alternativas, ainda hoje utilizadas.

FRATURAS RELACIONADAS COM A OSTEOPOROSE

Em Portugal, o aumento da esperança de vida da população tem levado a que as fraturas relacionadas com a osteoporose sejam uma realidade cada vez mais comum. Entre elas, as já mencionadas fraturas do colo do fémur acontecem com frequência, sobretudo em contexto hospitalar, e, se não forem tratadas rapidamente, podem afetar negativamente a mobilidade, a funcionalidade e a qualidade de vida.

Na maioria dos casos, estes doentes ficam internados, aumentando o risco de complicações, pela associação da idade avançada, de outras doenças, da imobilização prolongada e dos riscos relacionados com a própria fratura do fémur.

Com o intuito de reverter esta tendência e reduzir a probabilidade de complicações, os cuidados prestados aos doentes têm evoluído. Hoje, reconhecem-se os benefícios de serem assegurados por equipas multidisciplinares, compostas por profissionais de Ortopedia, Medicina Interna e Enfermagem, dedicadas à otimização do doente, com o objetivo de possibilitar a realização célere do tratamento cirúrgico e, assim, dar início à reabilitação, no menor tempo possível.

TRATAMENTO DE ARTROSES

A Ortopedia é uma especialidade reconhecida pelo tratamento de problemas ósseos. Esta ideia é verdade, no contexto da Traumatologia, mas, no contexto da Ortopedia eletiva, a grande maioria dos problemas que tratamos relacionam-se com o desgaste da cartilagem, vulgarmente conhecido por artrose.

A artrose das grandes articulações de carga do membro inferior – a anca, o joelho e o tornozelo – são altamente incapacitantes, e, dentro destas, a artrose da anca assume um papel de destaque. A necessidade de tratar estes doentes mobilizou, desde o final do século XIX, a comunidade ortopédica na busca de uma solução.

Inicialmente, tentaram-se soluções biológicas com interposição de tecidos, como, por exemplo, colocando fáscia – o tecido conjuntivo do corpo, uma estrutura fibrosa que conecta órgãos, músculos, ossos, tendões, ligamentos e vasos sanguíneos, mantendo-os no sítio certo – entre a cabeça do fémur e a sua cavidade na bacia, uma estrutura chamada acetábulo.

Mais tarde, na primeira metade do século XX, iniciaram-se tentativas de revestimento da cabeça do fémur com material inerte, como vidro e, depois, metal e cerâmica. Só nos anos 60, através de John Charnley, surge a primeira versão da prótese que hoje é usada. A técnica que desenvolveu foi designada artroplastia de baixa fricção e era formada por um componente femoral de metal e uma cúpula acetabular de polietileno, fixas com cimento ósseo acrílico – curiosamente, “emprestado” da Medicina Dentária.

SOLUÇÕES DE ELEVADA DURABILIDADE

Nos últimos 50 anos, as próteses da anca sofreram grandes desenvolvimentos. A sua filosofia continua a basear-se no conceito original, mas as técnicas e os componentes foram evoluindo. Nomeadamente, a indústria dos materiais teve, nas últimas décadas, significativos avanços em termos de investigação e de introdução no mercado de produtos revolucionários, que vieram reduzir o desgaste e melhorar significativamente a osteointegração, isto é, o processo através do qual o osso do paciente cresce sob a superfície dos implantes e promove a sua fixação biológica. As superfícies articulares foram alvo de uma evolução transformadora, em termos de resistência, graças à nova geração de materiais utilizados. Hoje, todas as opções oferecem uma elevada durabilidade.

A durabilidade da prótese é a principal condicionante de sucesso do procedimento. Como durabilidade entende-se o número de anos antes de ser necessária uma cirurgia de revisão. Esse resultado depende da ausência de complicações, no curto ou médio prazo, mas, a longo prazo, depende do menor desgaste possível dos componentes. Para a durabilidade de longo prazo, além do material, é fundamental conseguir a melhor adaptação da posição dos implantes à anatomia de cada doente. A experiência do cirurgião é fundamental para esse objetivo e, hoje, já começa a ser complementada e otimizada com o apoio da cirurgia robótica.

Leia o artigo completo na edição de junho 2025 (nº 361)