A saúde mental das crianças e adolescentes deve ser considerada como uma área absolutamente crucial e indispensável, não só a nível dos sistemas de saúde, mas igualmente na escola, famílias e locais de lazer e desporto.

Artigo da responsabilidade da Dra. Marisa Marques. Psicóloga Clínica e da Saúde; Trofa Saúde Hospital de Barcelos e Trofa Saúde Hospital de Braga Norte.

 

 

Atualmente sabemos que a saúde mental é determinada por um leque diverso de fatores, que ultrapassam em larga medida as dimensões exclusivamente centradas na prestação de cuidados. Muitos desses fatores começam numa fase precoce da vida a influenciar e criar marcas significativas no futuro de cada um de nós, em termos de resiliência e de capacidade de adaptação às várias fases do ciclo de vida.

Neste sentido, a saúde mental das crianças e adolescentes deve ser considerada como uma área absolutamente crucial e indispensável, não só a nível dos sistemas de saúde, mas igualmente na escola, famílias e locais de lazer e desporto.

SINAIS DE RISCO

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 20% das crianças têm algum tipo de doença mental ao longo do seu desenvolvimento (2 em cada 10): depressão ou outros distúrbios do humor, abuso de substâncias (álcool e/ou outras drogas), comportamentos autolesivos e/ou suicídio ou perturbações do comportamento alimentar.

O impacto deste grupo de doenças nesta faixa etária é tão significativo que, entre os 15 e os 19 anos, o suicídio é a segunda principal causa de morte, seguido de violência na comunidade e na família (WHO, 2019a).

Uma vez atingida a maioridade, a evidência científica revela que os adultos que desenvolvem doença mental manifestaram sinais de risco ou mesmo de perturbação mental no período da infância e/ou adolescência. Até hoje, os dados científicos mostram-nos que 80% dos problemas de saúde mental do adulto surge antes dos 15 anos de idade e metade até estavam já presentes aos 5 anos (Lee, 2014).

Este cenário mostra-nos que, realmente, é cada vez mais importante que a intervenção se inicie na infância, mas é um processo continuado ao longo do ciclo da vida, nos períodos sensíveis, sendo importante apostar mais na promoção e prevenção, e não apenas focar na intervenção imediata e remediativa na qual vivemos hoje.

Sendo que, se investirmos na promoção da saúde e na prevenção da doença, iremos ter um retorno tanto maior em termos de resultados quanto mais cedo o fizermos na vida das crianças e adolescentes, evitando potencialmente um número considerável de problemas anos mais tarde.

DIFICULDADES ENFRENTADAS

Pessoalmente, sinto que a Psicologia deve ter uma visão integradora, centrada nas crianças, nos jovens e nas famílias, reforçando as relações terapêuticas e tendo sempre em consideração todas as dinâmicas.

Apostar na prevenção é um grande desafio atual na Psicologia da infância, nomeadamente porque as crianças e adolescentes são os agentes ativos da nossa sociedade. E, como tal, enfrentamos algumas dificuldades, a nível da escassez de avaliação das intervenções preventivas existentes, não só no âmbito da sua eficácia, mas em particular da sua eficiência, com especial ênfase para a sustentabilidade das intervenções a médio e longo prazo.

Bem como o facto de intervenções universais poderem gerar desigualdades socioeconómicas, no sentido em que crianças, adolescentes e famílias economicamente mais favorecidos irão ter oportunidades mais eficazes e avançadas. Como é o exemplo das terapias com recurso à neuromodulação, neurofeedback e técnicas mais avançadas e ainda pouco faladas.

QUAL DEVE SER A ESTRATÉGIA?

A estratégia deve integrar quatro domínios interligados: saúde, educação, área social e justiça. Implementando processos inclusivos, visão partilhada e participação da comunidade em todos os locais onde as crianças estão inseridas: família, escola, centro de saúde e locais de lazer e desporto.

Os objetivos centram-se em potenciar as capacidades individuais, competências sociais (planeamento, decisão, resiliência), autoestima e visão otimista do futuro, sendo que a missão de todos (profissionais de saúde e educação e famílias) é preparar a criança para a escola até aos 5 anos e prepará-la para a vida até aos 18 anos.

Nos dias de hoje, os pais têm cada vez dias mais longos de trabalho e menos tempo para a família. Chegar cansado, sem ter uma noite seguida de sono há meses e cuidar de um bebé/criança com algum problema, inevitavelmente aumenta os níveis de ansiedade dos adultos que moram em casa, o que se transmite, involuntariamente, aos mais pequenos, aumentando, por sua vez, os problemas iniciais das crianças, criando um ciclo fechado, que precisa de ser interrompido.

Leia o artigo completo na edição de Janeiro 2024 (nº 345)