A ausência de um diagnóstico rápido e correto é o principal problema que enfrentam os afetados por fibromialgia, uma doença reumática muitas vezes ignorada, que atinge, sobretudo, as mulheres.

 

Artigo anteriormente publicado na Edição Especial CONSELHOS MÉDICOS – Doenças Reumáticas

 

Maria do Rosário tem 46 anos. Lembra-se, desde criança, de sentir dores com uma certa frequência. No entanto, o que se passa, desde há um ano e meio, está longe de ser normal. Sem saber como nem porquê, as dores tornaram-se companheiras demasiado fiéis. Primeiro, foi o pescoço; depois, a zona lombar; mais tarde, quase tudo. Sente o seu corpo como se tivesse gripe, embora não esteja engripada nem tenha febre. Um sono superficial começou a ser norma. Pela manhã, acorda tão cansada que os lençóis parecem de pedra.

Obviamente, já consultou vários médicos, que lhe fizeram análises detalhadas e radiografias: “Está tudo normal”, disseram-lhe, “trata-se de algo funcional”.

Perante isto, Maria do Rosário começou a ficar ansiosa e algo deprimida. “Como pode ser possível que tudo esteja normal, se eu me sinto tão mal?”, interrogava-se. O medo de ter um cancro oculto ou de ficar numa cadeira de rodas era o condimento que faltava à sua situação.

Desde o início, tinha tomado todos os remédios que lhe tinham receitado: comprimidos, supositórios, injeções e, inclusive, inalações. Com alguns, melhorou ligeiramente, mas o seu problema mantinha-se. Experimentou, então, uma longa lista de tratamentos alternativos: desde palmilhas que tocam nuns pontos mágicos dos pés, até pulseiras que reorganizam a energia no corpo e a harmonizam com o Cosmos, passando por tratamentos ancestrais do Oriente, aromaterapia, fitoterapia, etc.. Os resultados foram sempre os mesmos: uma melhoria inicial e um regresso aos sintomas habituais.

O que se passa, então, com a Maria do Rosário? Será a sua dor fruto da imaginação? Existe algum tratamento eficaz? Existe alguma esperança?

A exploração física da doente devia oferecer, desde o início, dados fundamentais para o diagnóstico. Estes dados não aparecem em nenhuma radiografia ou ressonância magnética. São o resultado da avaliação de determinados pontos do corpo especialmente dolorosos à pressão. Com efeito, a partir de um estudo estatístico, realizado pela Sociedade Americana de Reumatologia, foi possível identificar uma patologia, designada por fibromialgia, que se caracteriza, precisamente, pela sensação dolorosa como resposta à pressão sobre pontos específicos do corpo.

Trata-se uma doença que suscita muitas questões, mas para as quais, felizmente, já vai havendo algumas respostas.

O QUE É A FIBROMIALGIA?

É uma doença reumática não-articular, que se caracteriza por dor generalizada e sensação dolorosa como resposta à pressão sobre pontos específicos do corpo – os chamados “pontos dolorosos”.

O QUE É QUE PROVOCA A DOR?

O corpo humano tem mecanismos que, habitualmente, o protegem contra a dor. Pensa-se que, na fibromialgia, esses mecanismos têm um funcionamento anormal, o que permite uma maior perceção da dor. Basta uma pequena sobrecarga de uma articulação ou de um músculo para que se sintam sensações dolorosas.

QUAL É O SINTOMA MAIS IMPORTANTE?

Dores com, pelo menos, três meses de duração, que se localizam de forma difusa ou em várias zonas do corpo, como a coluna lombar, o pescoço e os ombros, os joelhos, as mãos, os cotovelos e as ancas.

COMO SE NOTAM AS DORES?

As pessoas que sofrem de fibromialgia descrevem-na como incómodo, peso, ardor, palpitação ou picada. É frequente que as dores sejam sentidas nos músculos que mais se exercitam.

QUE OUTROS INCÓMODOS PRODUZ NO APARELHO LOCOMOTOR?

Pode provocar rigidez generalizada, sobretudo de manhã, ao levantar, e sensação de inflamação nas mãos e nos pés. Também podem notar-se formigueiros pouco definidos, que afetam sobretudo as mãos, ainda que de forma difusa.

PROVOCA CANSAÇO?

Durante quase todo o dia. As pessoas que sofrem de fibromialgia têm uma má tolerância ao esforço. Isto faz com que qualquer exercício de intensidade ligeiramente superior produza dor, pelo que tentam evitá-lo. O resultado é evidente: cada vez fazem menos esforços, a massa muscular diminui e o nível de tolerância ao exercício decresce ainda mais.

O SONO TAMBÉM É AFETADO?

Sim. Cerca de 70 a 80% das pessoas com fibromialgia queixam-se de ter um sono de má qualidade e de que a dor piora nos dias em que dormem mal. Os investigadores pensam que estes doentes adormecem sem problemas, mas que, durante a fase de sono profundo, este é interrompido. Os registos eletroencefalográficos surgem alterados nesta fase e detetam-se umas ondas semelhantes às que mantêm a atividade de alerta do cérebro. Não se sabe se estas ondas estão relacionadas com a causa da doença ou se são consequência da mesma.

QUE OUTROS SINTOMAS SE APRESENTAM COM MAIOR FREQUÊNCIA?

São frequentes a ansiedade e a depressão, assim como enxaquecas, dores durante a menstruação, o chamado cólon irritável, secura na boca e perturbações da circulação nas mãos e nos pés.

QUE FATORES PODEM FAZER PIORAR OS SINTOMAS?

São fatores agravantes da fibromialgia: as mudanças de tempo, o ambiente frio, as flutuações hormonais – os estados pré-menstruais ou menopáusicos –, o stress, a depressão, a ansiedade e fazer mais exercício do que o habitual.

UMA PESSOA PODE SOFRER DE FIBROMIALGIA E DE OUTRAS DOENÇAS REUMÁTICAS SIMULTANEAMENTE?

Sim. Quando a fibromialgia é a única doença, fala-se de fibromialgia primária. Também é frequente uma pessoa sofrer osteoartrose ou osteoporose e, além disso, fibromialgia. Neste caso, a fibromialgia é concomitante.

QUAIS SÃO AS SUAS CAUSAS?

Descreveram-se casos nos quais a doença começou após um acontecimento pontual, nomeadamente uma infeção bacteriana ou vírica, um acidente de automóvel, um divórcio, problemas com os filhos, etc. Outras vezes, aparece depois de outra doença reumática, como uma artrite reumatoide ou um lúpus eritematoso.

ESTES AGENTES DESENCADEANTES SÃO OS VERDADEIROS CAUSADORES DA DOENÇA?

Provavelmente, não. O que fazem é “despertá-la” numa pessoa que já tem uma anomalia oculta na regulação da sua capacidade de resposta a determinados estímulos.

QUE INVESTIGAÇÕES ESTÃO EM CURSO SOBRE AS CAUSAS E OS MECANISMOS QUE PRODUZEM A FIBROMIALGIA?

Contam-se às centenas os trabalhos que, em cada ano, são publicados na imprensa médica, sobre este assunto. Os estudos orientaram-se no sentido de determinar se ocorrem, nestes doentes, alterações nos músculos, no sistema imunológico, anomalias psicológicas, problemas hormonais ou alterações na regulação da dor. Os resultados parecem ser prometedores, mas ainda não existem conclusões claras a este respeito.

QUAL É A FREQUÊNCIA DA FIBROMIALGIA?

De acordo com alguns estudos populacionais, entre 1 e 3 em cada 100 pessoas sofrem de fibromialgia.

É UMA DOENÇA INCAPACITANTE?

No sentido de incapacidade irreversível, por deformidade ou destruição de articulações, não. No entanto, a fibromialgia pode ser muito incapacitante, quanto à dificuldade para desempenhar muitas atividades. Os estudos realizados neste sentido concluíram que a fibromialgia pode ser tão incapacitante como a artrite reumatoide e mais do que outros processos, como a bronquite crónica ou a diabetes mellitus.

QUAL É A SUA RELAÇÃO COM O SEXO OU A IDADE?

Em cada 10 doentes com fibromialgia, nove são mulheres. A idade de início mais frequente oscila entre os 35 e os 50 anos, embora já tenha sido descrita em crianças e em pessoas com mais de 60 anos.

ALÉM DOS PONTOS DOLOROSOS, EXISTEM OUTRAS ALTERAÇÕES VISÍVEIS?

Sim. A pele é mais sensível ao avermelhamento, que se produz pela simples pressão em qualquer parte do corpo. Trata-se da consequência de pequenas alterações na regulação da irrigação sanguínea.

EXISTE ALGUM EXAME QUE CONFIRME O DIAGNÓSTICO?

As radiografias e as análises apenas servem para despistar a presença de outras doenças que se associam à fibromialgia, mas não ajudam no diagnóstico; e o mesmo acontece com os métodos mais modernos, como a tomografia axial computorizada –TAC – ou a ressonância magnética. Atualmente, estão a investigar-se, de forma exaustiva, outros métodos e exames que ajudem no diagnóstico. Até ao momento, alguns testes têm obtido resultados prometedores, embora ainda não tenham aplicação clínica.

A FIBROMIALGIA TEM CURA?

A fibromialgia é uma doença crónica, para a qual ainda não existe cura. Não obstante, existem uma série de medidas que demonstraram melhorar – por vezes, substancialmente – a qualidade de vida destes doentes. Um correto diagnóstico, a explicação ao doente da exata natureza da sua doença – explicando-lhe que não causará destruição das articulações nem lesões irreversíveis nem deformidades –, a educação para que evite os fatores agravantes, o tratamento das alterações psicológicas associadas, se as houver, o exercício físico, o tratamento com medidas locais – como infiltrações e massagens – e o uso de analgésicos e outros medicamentos que aumentem a resposta à dor, são as mais importantes dessas medidas.

O EXERCÍCIO FÍSICO É IMPORTANTE?

De todas as medidas recomendadas no tratamento desta doença, o exercício físico e um adequado fortalecimento dos músculos constituem, sem dúvida, as mais eficazes. Para isso, dever-se-á trabalhar pouco a pouco. É evidente que a prática do exercício acima da capacidade física do indivíduo piora a dor e convida a abandonar o esforço. Recomenda-se a atividade aeróbica – evitando que o músculo trabalhe acima das suas possibilidades –, como caminhar ao ar livre ou sobre um tapete rolante, ou a natação. Mas antes, será necessária uma avaliação especial por parte do médico. Depois, é recomendável o exercício em grupo, praticado em ginásios ou em centros de reabilitação.

É RECOMENDÁVEL EMAGRECER?

A obesidade implica uma sobrecarga dos músculos e dos tendões. Por este motivo, recomenda-se que as pessoas obesas com fibromialgia percam peso.

EM QUE CONSISTE O TRATAMENTO FISIOTERÁPICO?

Consiste, fundamentalmente, na aplicação de massagens, na realização de exercícios de alongamento muscular, na aplicação de calor local e nalguns tipos de eletroterapia. Todas estas medidas são muito eficazes.

QUAL É O PROGNÓSTICO DESTA DOENÇA?

Os estudos a longo prazo sobre fibromialgia revelaram que se trata de uma doença crónica, mas também demonstraram que os seus sintomas podem aparecer e desaparecer. O impacto que produz na qualidade de vida de quem dela sofre varia muito de umas pessoas para outras.