As férias são muito mais do que uma pausa – são um direito humano. Um tempo necessário para o corpo, para a mente e para o espírito. Desligar não é um luxo, é uma necessidade vital.
Artigo da responsabilidade do Dr. Alexandre Bogalho. Psicólogo Clínico. Neuropsicólogo
As férias, tal como as conhecemos hoje, são uma conquista relativamente recente. Antes da Revolução Industrial, o conceito de tempo livre era praticamente inexistente para a maioria dos trabalhadores. O trabalho seguia o ritmo da luz solar e das estações — não havia férias, mas sim pausas impostas pelas necessidades físicas e pela natureza. Com a industrialização, no século XIX, surgiram jornadas de trabalho longas, repetitivas e intensas, forçando o debate em torno da exaustão operária. Esta transformação social exigiu uma resposta política e legislativa.
Em Portugal, a legislação que introduziu férias pagas surgiu apenas em 1937, durante o Estado Novo. Mas só após a Revolução de Abril de 1974 é que se democratizou o acesso a este direito. Estabeleceram-se os 22 dias úteis de férias remuneradas, marcando uma viragem na valorização do descanso como componente essencial da dignidade laboral. Ainda assim, mais de quatro décadas depois, continuamos a lutar para aceitar esse descanso como merecido e necessário – sem culpa.
QUANDO O DESCANSO É VISTO COMO UM LUXO
Na sociedade contemporânea, o valor do indivíduo é frequentemente medido pela sua produtividade. Vivemos na “era da performance permanente”, onde estar sempre disponível, responder rapidamente e demonstrar empenho constante se tornou uma exigência silenciosa – e perigosa. A cultura do “sempre ligado” invadiu o tempo pessoal, fazendo com que as fronteiras entre trabalho e vida privada se tornassem cada vez mais difusas.
Esta pressão constante tem consequências graves. O burnout – classificado pela Organização Mundial da Saúde como uma síndrome ocupacional – manifesta-se através de sintomas como exaustão emocional, despersonalização e baixa realização profissional. Em Portugal, dados recentes revelam que 50,6% dos trabalhadores se encontram em risco elevado de burnout, experienciando tristeza, irritabilidade e falta de motivação. Quando o descanso é visto como um luxo, e não como um direito, o corpo e a mente acabam por falhar.
CONTEXTOS GERACIONAIS
A forma como vivemos o trabalho e o descanso varia consoante o tempo histórico e o contexto geracional. Hoje, diferentes gerações coexistem no mercado de trabalho com perspetivas e fragilidades distintas.
A Geração Z – nascidos entre meados dos anos 90 e o início da década de 2010 – demonstra uma maior consciência da importância do equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Muitos não hesitam em trocar segurança financeira por saúde mental – e com razão. Estudos indicam que metade desta geração já procurou apoio psicológico por sintomas como ansiedade e depressão.
A Geração Y – Millennials –, por outro lado, vive frequentemente sob o peso de carreiras instáveis, elevados custos de vida e exigências familiares crescentes. Têm menos segurança do que a geração anterior e mais responsabilidade do que a seguinte. Esta pressão contínua torna-os especialmente vulneráveis ao stress crónico e à sobrecarga emocional.
A Geração X – nascida entre 1965 e 1980 – é, por vezes, apanhada entre a velocidade das mudanças tecnológicas e a cultura de produtividade da qual são herdeiros e transmissores. Muitos continuam ativos profissionalmente, mas com níveis elevados de desgaste acumulado. São, frequentemente, a geração esquecida nas estratégias de bem-estar organizacional.
O DESCONFORTO DE ESTAR OFFLINE
A dificuldade em desligar durante as férias não é sinal de fraqueza – é sintoma de um sistema que nos condiciona a associar descanso à preguiça. Vivemos hipervigilantes, com medo de perder oportunidades, de ficar para trás, de nos tornarmos irrelevantes. E isso mina o verdadeiro propósito do tempo livre: recuperar, recentrar e viver.
A hiperconetividade tornou-se um vício coletivo. Levamos o telemóvel para a praia, abrimos o e-mail entre refeições e deixamos que as notificações nos sigam como sombras. Para muitos, o desconforto de estar offline é maior do que o cansaço de estar sempre ligado. A ausência de políticas organizacionais claras sobre desconexão apenas agrava este ciclo.
RECONHECER O VALOR DO TEMPO LIVRE
Para que as férias deixem de ser um parêntesis culpado no meio da produtividade desenfreada, é urgente repensarmos a forma como nos relacionamos com o trabalho e com o descanso.
O primeiro passo começa nas organizações, cuja cultura interna precisa de reconhecer, de forma explícita, o valor do tempo livre como um pilar essencial para a saúde mental dos seus colaboradores. Uma cultura organizacional saudável não se limita a conceder férias por obrigação legal, mas promove ativamente o respeito pelo tempo de descanso, desincentivando contactos e exigências fora do horário laboral.
Leia o artigo completo na edição de julho/agosto 2025 (nº 362)
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