Nesta altura em que vivemos o mundial de futebol do Qatar, numa era em que os jogadores cada vez fazem mais jogos por época, é fundamental garantir um bom desempenho físico.

Artigo da responsabilidade do Dr. David Pinto, ortopedista nos Hospitais CUF Tejo, CUF Sintra e CUF Cascais – Unidade da Anca e Unidade de Medicina Desportiva e Performance CUF

 

 

A aposta na prevenção, diagnóstico e tratamento precoce de eventuais lesões, é o segredo para fazer face à exigência atual e assume especial importância na patologia da anca, caracterizada por um diagnóstico e tratamento desafiantes.

A dor na região da anca (coxalgia) é uma causa comum de paragem e diminuição da performance no futebol, devido às cargas elevadas a que está sujeita em momentos como o sprint com mudanças de direção ou remate.

A articulação da anca é formada pela cabeça do fémur (estrutura esférica na região superior do osso da coxa) que se articula com o acetábulo (cavidade na região inferior e lateral da bacia), ambos revestidos de cartilagem. Entre estas estruturas existe o larbrum (“menisco da anca”), uma estrutura fibrocartilagínea, importante na estabilidade e distribuição de cargas. Na região da anca existem ainda estruturas extra-articulares que podem ser fonte de dor, sendo os adutores (músculos da região interna da coxa), musculatura abdominal e as respetivas inserções ósseas (no púbis – osso mais anterior da bacia) as mais relevantes.

Os estiramentos musculares são a causa mais comum de coxalgia no futebol. A grande maioria corresponde a estiramentos dos adutores, isquiotibias (músculos da região posterior da coxa) ou quadricípite (músculo da região anterior da coxa). Um dos fatores de risco mais importantes para este tipo de lesões são os desequilíbrios musculares, nomeadamente entre abdutores (músculos da região lateral da coxa) e adutores. A correção destes desequilíbrios através de fisioterapia com reforço muscular específico é fundamental para a reabilitação e prevenção de novas lesões musculares.

O síndrome pubálgico (pubalgia ou hérnia do desportista) corresponde a um conjunto de lesões que resultam de um desequilíbrio entre os grupos musculares que se inserem no púbis – músculos abdominais e adutores. É muito frequente em desportos que envolvem torsões rápidas do tronco, como é o caso do futebol. Caracteriza-se por uma dor na virilha, região inguinal ou sínfise púbica, provocada por estiramento, rotura ou inflamação de várias estruturas musculares, tendinosas, ligamentares ou ósseas (osteíte púbis) desta região. O tratamento consiste na realização de um programa específico de reabilitação com vista a corrigir os desequilíbrios musculares existentes. Em casos refratários pode ser necessária intervenção cirúrgica que depende do tipo de estruturas afetadas, sendo as mais comuns o reforço da musculatura abdominal com uma malha sintética (semelhante às cirurgias para hérnia inguinal) e a tenotomia (corte do tendão) dos adutores.

As lesões musculares previamente descritas podem ocorrer, no entanto, em consequência de patologia articular não diagnosticada da anca. Neste contexto, o conflito femoro-acetabular (CFA) assume especial importância.

O CFA resulta de um contacto anormal e prematuro entre o colo do fémur e o acetábulo durante o arco de movimento da anca. Este contacto provoca lesão do labrum acetabular e da cartilagem que reveste a articulação, constituindo o importante fator de risco para artrose precoce (desgaste da cartilagem).  Existem dois tipos de conflito: CAM – perda da esfericidade da cabeça do fémur (mais comum em jovens do sexo masculino) e Pincer – morfologia anormal do acetábulo com aumento da cobertura (mais comum em mulheres de meia idade).

A prevalência do CFA no futebol é superior à da população geral, sendo uma causa frequente de dor da anca não diagnosticada. A origem da deformidade não se encontra completamente estabelecida. Fatores genéticos e atividades desportivas com grandes cargas e amplitudes da anca podem ser fatores de risco. Vários estudos mostram que o desenvolvimento do CAM evolui de forma gradual durante a maturação esquelética e estabiliza pela altura do encerramento das cartilagens de crescimento. Assim, será de imperativa importância ajustar as atividades desportivas em idades mais jovens, durante o crescimento ósseo, de forma a prevenir o desenvolvimento do CFA.

Os sintomas mais frequentes são a dor na virilha, limitação da mobilidade (principalmente da rotação interna) ou ressalto. Alguns casos, apesar da deformidade, podem apenas apresentar sintomas numa fase tardia. O diagnóstico assenta num exame clínico cuidado, complementado com exames auxiliares, com a radiografia e ressonância magnética.

O tratamento médico assenta na medicação anti-inflamatória e fisioterapia para trabalho de mobilidade e reforço muscular específico da anca. Casos refratários têm indicação cirúrgica, que passa pela reconstituição da anatomia da anca e correção dos fatores de conflito e lesões associadas, como a sutura do labrum ou o tratamento de lesões da cartilagem. Na maioria dos casos essa correção é efetuada através de uma técnica minimamente invasiva – a Artroscopia da Anca. Devendo ser realizada prontamente em pessoas com queixas, de forma a prevenir lesões irreversíveis da cartilagem e evolução para artrose. A artroscopia da anca é um procedimento cirúrgico feito em ambulatório, através de 3 incisões de 1 cm, com necessidade de canadianas durante 10 dias, e uma recuperação expectável de 4-5 meses para o regresso à atividade desportiva de competição.

O CFA é muito prevalente na prática desportiva de competição, nomeadamente no futebol, e quando não tratado pode ter consequências para a longevidade da anca.

Perante dor na anca os jogadores devem procurar ajuda clínica vocacionada para o diagnóstico precoce e tratamento da patologia da anca, com o objetivo de resolver a possível lesão e retornar  à atividade desportiva ou competitiva.