Durante a sua vida, cerca de 8% das mulheres irão desenvolver uma doença reumática, contra cerca de 5% dos homens. Pensa-se que esta diferença possa ser devida a fatores genéticos, hormonais, ambientais e outros fatores ainda desconhecidos.

 

Artigo da responsabilidade da reumatologista Dra. Maria João Salvador

 

 

Estas são o grupo de doenças mais frequentes nos países desenvolvidos, uma das principais causas de consulta nos cuidados de saúde primários e representam um importante problema médico, social e económico.

As doenças reumáticas podem ser agudas, recorrentes ou crónicas e são causa de incapacidade quando não diagnosticadas ou tratadas atempadamente.

Um estudo epidemiológico efetuado em Portugal, o EpiReumaPt, entre 2011 e 2013, teve como objetivo principal determinar a prevalência das doenças reumáticas no nosso país. Das cerca de 12 doenças registadas em mais de 10.000 pessoas, 10 foram mais prevalentes em mulheres. Isto é muito importante e deve ser tido em conta, pelo grande impacto que tem na mulher e na sociedade em geral.

Entre todas estas doenças, são mais conhecidas a artrite reumatoide (atinge três vezes mais as mulheres do que os homens), o lúpus eritematoso sistémico (atinge nove vezes mais as mulheres), a fibromialgia, a osteoartrose e a osteoporose.

ARTRITE REUMATOIDE

A artrite reumatoide é uma doença autoimune que atinge mais pessoas entre os 35 e os 50 anos e após a menopausa. É uma doença crónica inflamatória, caraterizada por inflamação das articulações, embora outros órgãos também possam ser comprometidos.

Esta inflamação persistente, se não for tratada de forma adequada, pode levar à destruição das articulações, o que ocasiona deformidades e limitações para o trabalho e para as atividades da vida diária. Atinge cerca de 1% da população e qualquer pessoa, desde crianças até idosos podem desenvolver a doença. Pessoas com história familiar da doença têm mais risco de desenvolvê-la.

DO LÚPUS À FIBROMIALGIA

O lúpus eritematoso sistémico, também uma doença autoimune, afeta predominantemente mulheres jovens, com idade entre os 15 e 44 anos.  É uma doença crónica que pode atingir diversos órgãos (coração, pulmões, rins), de forma por vezes silenciosa, variando entre períodos de atividade e de remissão.

São reconhecidos dois tipos principais de lúpus: cutâneo, que se apresenta com manchas na pele (geralmente, avermelhadas ou eritematosas), principalmente nas áreas que ficam expostas à luz solar (rosto, orelhas, colo e braços); e o sistémico, no qual um ou mais órgãos internos podem ser afetados, entre eles também a pele. Nas formas sistémicas, há muitas vezes dor nas articulações (artrite) e sintomas gerais como a febre, emagrecimento, perda de apetite e fadiga.

Outras doenças autoimunes também mais frequentes em mulheres são a miosite (inflamação dos músculos, afetando duas mulheres para cada homem), a esclerose sistémica (3 para 1) e a síndrome de Sjoegren (ocorre 10 vezes mais na mulher).

A polimialgia reumática e a arterite de células gigantes ocorrem na proporção de duas mulheres por cada homem.

A fibromialgia, caracterizada por dor generalizada e persistente, fadiga, alterações do sono, entre outros sinais e sintomas, também é mais frequente em mulheres (8 para 1).

DOENÇAS DEGENERATIVAS E OSTEOMETABÓLICAS

As doenças degenerativas (por exemplo, osteoartrose das mãos e dos joelhos) e as doenças osteometabólicas (por exemplo, osteoporose), muito frequentes na população, afetam muito mais o género feminino e têm tendência familiar. Quase que podemos dizer que são processos “normais” do envelhecimento, pois depois dos 50 anos todos estamos em risco de desenvolver estas patologias.

Contudo, principalmente na osteoporose, a prevenção e o tratamento precoces podem ajudar a retardar estas alterações e evitar deformações, incapacidade e fraturas.

IMPACTO DA GRAVIDEZ AO EMPREGO

É muito importante alertar as populações para as doenças reumáticas, principalmente as mulheres, uma vez que são as mais afetadas. O diagnóstico precoce destas doenças pode evitar muita dor, deformação e incapacidade. Estas doenças podem ser muito incapacitantes e deformantes e alterar toda a vida da mulher, desde a sua vida pessoal, a sua decisão de constituir família (muitas são jovens, quando ficam doentes) e a sua vida profissional.

As doenças reumáticas podem dificultar ou complicar uma potencial gravidez e muitos dos tratamentos utilizados nestas doenças podem estar contraindicados durante a gestação e/ou amamentação. É, por isso, muito importante as mulheres que desejam engravidar serem seguidas regularmente numa consulta de Reumatologia, de forma a terem a sua doença bem controlada e a minimizar os riscos. Há assim muito mais hipóteses de a gravidez correr bem.

No que diz respeito ao emprego, as entidades patronais e outras entidades competentes devem estar alertadas para estes problemas. Por vezes, é necessário ajustar horários, ajustar os locais e as condições de trabalho, para permitir a estas doentes manterem a sua atividade profissional.

VERDADEIRAS HEROÍNAS

Se tiver sintomas de dor, inchaço das articulações, rigidez, dificuldade em realizar as suas tarefas, procure o seu médico de Medicina Geral e Familiar. Este pode encaminhar rapidamente para uma consulta de Reumatologia, se necessário. Um tratamento adequado, numa fase inicial da doença, pode evitar todas as complicações e alterações e permitir uma vida normal e de qualidade.

Muitas mulheres da minha consulta são verdadeiras heroínas! Elas têm de lidar com uma doença crónica, com dor e dificuldade de movimentos e, mesmo assim, manter o seu trabalho, cuidar dos seus filhos, cozinhar e cuidar da casa. Conseguem mesmo manter a boa disposição e alegria de viver!

Elas concentram-se, não no que gostariam de fazer, mas sim no que conseguem fazer. Adaptam a sua vida, mas continuam a vivê-la, com entusiasmo e energia. Só assim se consegue vencer a doença.

Com a ajuda do reumatologista, dos novos medicamentos disponíveis no mercado e com um tratamento iniciado o mais cedo possível, é possível hoje tratar as doenças reumáticas e permitir que todos tenham uma vida de qualidade e completa, fazendo tudo o que mais gostam!

Artigo publicado na edição de março 2020 (nº 303)