Com o advento das terapêuticas biológicas, a Medicina passou a ter à sua disposição armas potentes que determinaram uma inversão no rumo natural da doença inflamatória intestinal para muitas pessoas.
Artigo da responsabilidade do Dr. Bruno Arroja. Membro da Direção do GEDII – Grupo de Estudos de Doença Inflamatória Intestinal
Ao longo da sua existência o Ser Humano tem enfrentado desafios na área da saúde. Se inicialmente as doenças infeciosas tiveram um impacto significativo sobre a população humana, à medida que avanços tecnológicos foram sendo alcançados, o padrão das doenças também se foi alterando. Ao longo do último século, algumas doenças foram sendo controladas e inclusivamente erradicadas, porém, outras surgiram e com isso novos paradigmas de tratamentos e cuidados de saúde emergiram.
Os ganhos civilizacionais trouxeram consigo o uso de antibióticos, conservantes, fertilizantes e aditivos alimentares, normas de controlo da produção alimentar, poluentes, plásticos, agentes carcinogénicos, como o tabaco, e outros potenciais antigénios ambientais. Assim, emergiram progressivamente doenças do foro imunológico que passaram a condicionar o Ser Humano e a sua qualidade de vida.
PREVALÊNCIA EM CRESCENDO
Dentre as várias doenças com afetação do sistema imunológico, temos as doenças inflamatórias intestinais, nomeadamente a doença de Crohn e a colite ulcerosa. Ambas fazem parte do mesmo espetro e afetam indivíduos nos quais a conjugação de fatores genéticos hereditários, ambientais e da flora bacteriana intestinal, podem interligar-se e levar a uma resposta descontrolada e desproporcionada do sistema imunitário. Deste modo, é frequente várias doenças inflamatórias crónicas coexistirem na mesma pessoa.
Na população portuguesa, existem cerca de 50.000 pessoas com doença inflamatória intestinal (DII). No entanto, a prevalência tem vindo a aumentar nas últimas décadas e irá continuar a crescer ao longo das próximas. A idade mais comum de diagnóstico é na fase inicial da vida adulta, ocorrendo um novo pico de incidência por volta dos 65 anos de idade.
DOENÇA DE CROHN
A doença de Crohn pode afetar todo o tubo digestivo desde a boca até ao ânus, ainda que as áreas mais acometidas sejam a porção final do intestino delgado (íleon) e a inicial do cólon.
A apresentação da doença pode ir desde formas ligeiras, por menor carga inflamatória, até formas mais graves, podendo inclusivamente culminar com episódios agudos e necessidade de cirurgia.
Os sintomas mais comuns incluem diarreia com ou sem sangue, dor abdominal (episódica ou persistente), perda de peso e, em cerca de 10-30% das pessoas, queixas na região perianal com fissuras, fístulas ou abcessos.
Em regra, a doença de Crohn manifesta-se com um padrão de predomínio inflamatório. No entanto, a história natural da doença leva à progressão para estádios nos quais podem surgir áreas de estenose (aperto) do intestino e, eventualmente, formação de trajetos fistulosos entre o intestino e outros órgãos. Nestes casos, a cirurgia é frequentemente inevitável.
O tratamento médico da doença de Crohn passava, classicamente, por utilização de corticosteroides, imunossupressores e antibióticos, opções estas que apenas retardavam, na maioria das pessoas, uma intervenção cirúrgica. A recorrência de atividade patológica ao longo da vida era praticamente um dado adquirido para muitos pacientes.
COLITE ULCEROSA
Por sua vez, a colite ulcerosa é uma patologia que afeta o cólon (intestino grosso) podendo a extensão da doença ir desde um segmento curto do reto até todo o cólon e reto.
Os sintomas habituais são a diarreia com sangue, dor abdominal, sensação de evacuação incompleta e urgência em defecar.
A maior fração de doentes é tratada de forma segura e eficaz com messalazina na forma de comprimidos ou através de formulações tópicas retais, como supositórios ou enemas.
As formas mais graves da doença são a minoria dos casos, porém têm associado um risco elevado de cirurgia para remoção de todo o intestino grosso.
Um dos fatores mais decisivos para estes doentes é o diagnóstico precoce, sendo por isso fundamental o acesso da população a exames endoscópicos, como a colonoscopia. Outro aspeto fundamental é o acesso precoce a cuidados de saúde diferenciados, dado que estas patologias carecem de acompanhamento por equipas multidisciplinares de médicos, cirurgiões, enfermeiros e nutricionistas dedicados a esta área científica.
A referenciação dos doentes a unidades hospitalares com estas valências tem de ser um propósito bem definido na dentro da organização de um sistema de saúde.
Classicamente, muitos pacientes eram tratados com corticoesteroides para controlo de períodos de maior atividade patológica, contudo alguns doentes revelavam-se dependentes destes medicamentos e ficavam expostos a um conjunto de efeitos adversos potencialmente debilitantes a médio e longo prazo, tais como osteroporose, diabetes mellitus, hipertensão, cataratas ou mesmo alterações neurológicas e psiquiátricas.
TERAPÊUTICAS BIOLÓGICAS
Com o advento das terapêuticas biológicas (ex: infliximab, adalimumab) no início deste século, a medicina passou a ter à sua disposição armas potentes que determinaram uma inversão no rumo natural da doença inflamatória intestinal para muitas pessoas.
Os desenvolvimentos tecnológicos subsequentes vieram expandir ainda mais o manancial terapêutico de uma forma nunca vista. Este processo de disponibilização de medicamentos inovadores não tem cessado, sendo que todos os anos surgem novos ensaios clínicos com fármacos inovadores.
Uma vez que nem todos os doentes têm a mesma resposta eficaz aos mesmos medicamentos e que estes podem perder alguma da sua eficácia por mecanismos de escape imunológico, tornou-se essencial manter a procura por novos fármacos que colmatassem estes vazios.
Nos últimos 20 anos, Portugal tem sido um país incluído em vários ensaios clínicos propostos pelas melhores companhias farmacêuticas mundiais, o que veio dar acesso precoce a medicamentos para pacientes não respondedores a outros tratamentos.
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