Uma insulina de nova geração demonstrou ter um impacto positivo no tratamento da hipoglicemia na diabetes tipo 2.

 

Pelo Dr. Francisco Carrilho, Diretor do Serviço de Endocrinologia e Diabetes do CHUC – Coimbra; Presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia e Diabetes

 

O impacto da diabetes na população não é indiferente. Os novos dados do Observatório Nacional para a Diabetes apontam que esta doença atinge 1,3 milhões de pessoas em Portugal. Particularmente, o número de pessoas com diabetes tipo 2 está a aumentar em todos os países, incluindo Portugal.

A diabetes tipo 2 é o tipo de diabetes que surge associada a um estilo de vida sedentário, com a ausência de atividade física regular, bem como a hábitos de alimentação menos saudáveis. A diabetes tipo 2 ocorre quando o pâncreas não produz insulina suficiente e/ou quando o organismo não consegue utilizar eficazmente a insulina produzida. O diagnóstico ocorre, geralmente, após os 40 anos de idade, mas pode ocorrer mais cedo, associada à obesidade, principalmente em populações com elevada prevalência de diabetes.

IMPACTOS DA HIPOGLICEMIA

A hipoglicemia é uma das consequências da diabetes, sendo que pode ter um impacto significativo, se não for controlada pelo doente. A hipoglicemia pode ter diferentes intensidades, desde um ligeiro mal-estar até perda da consciência e risco de morte e, por isso, é sempre uma ameaça e um receio que o diabético tratado com insulina transporta consigo. As hipoglicemias graves (grande redução de níveis de glicose no sangue), associadas aos eventos cardiovasculares, que ocorrem em pessoas que vivem com diabetes tipo 2, podem ter consequências graves na saúde, que necessitam de assistência ou hospitalização.

A redução significativa deste tipo de episódios têm sido alvo de estudos, no sentido de se desenvolver opções terapêuticas cada vez mais capazes de responder às necessidades dos doentes, melhorando a sua qualidade de vida e o impacto da doença no seu dia a dia.

Outra das principais preocupações destes doentes são os problemas cardiovasculares associados – como, por exemplo, o acidente vascular cerebral (AVC) e o enfarte do miocárdio (EM) –, sendo que o risco destas doenças duplicam nas pessoas diagnosticadas com diabetes tipo 2.

RECURSO À INSULINOTERAPIA

A insulinoterapia, apesar de efetiva na redução dos níveis da glicose no sangue nos diabéticos de tipo 2, é em regra reservada para os casos em que o tratamento com antidiabéticos orais deixa de ser eficaz.

Esta atitude terapêutica deve-se principalmente ao facto de estarem disponíveis diferentes e eficazes antidiabéticos orais e ao risco de hipoglicemia associado à insulinoterapia.

Em 2015, a FDA aprovou a insulina degludec que é uma insulina com ação mais prolongada até às 42 horas e com uma baixa variabilidade na mesma pessoa no decurso do tratamento. O estudo Devote, publicado em Junho 2017 e apresentado recentemente na reunião da Associação Americana de Diabetes (ADA), investigou a segurança cardiovascular da insulina degludec em diabéticos tipo 2 com alto risco de eventos cardiovasculares. Os investigadores compararam a insulina degludec com a insulina glargina ao nível da segurança cardiovascular.

Neste estudo, participaram 7637 diabéticos tipo 2, durante um período aproximado de 2 anos, com idade média de 65 anos, duração média da diabetes de 16,4 anos, a maioria (85,2%) com história de doença cardiovascular e/ou moderada insuficiência renal e os restantes (14,8%) com alto risco de eventos cardiovasculares. Os participantes foram tratados com uma administração diária de insulina degludec ou de insulina glargina em associação ao tratamento que já faziam.

OBJETIVOS DO ESTUDO

O objetivo primeiro do estudo foi avaliar a ocorrência do conjunto constituído por morte, doença cardiovascular, enfarte do miocárdio não fatal e acidente vascular cerebral não fatal. O segundo objetivo foi avaliar a incidência de hipoglicemia grave e de hipoglicemia noturna grave.

Relativamente ao primeiro objetivo, os resultados do estudo Devote mostraram que não existe diferença estatisticamente significativa, o que quer dizer que o tratamento por insulina degludec não é inferior à insulina glargina. Relativamente ao segundo objetivo, relacionado com as hipoglicemias, há uma diferença estatisticamente significativa, pois os doentes do grupo degludec apresentaram uma redução global de 40% no número total de hipoglicemias e uma redução de 53% nas hipoglicemias noturnas severas. Este resultado pode ser explicado pela extra longa duração de ação e pela baixa variabilidade intraindividual da degludec.

O estudo Devote permitiu concluir que, relativamente à segurança cardiovascular na diabetes tipo 2, a insulina degludec é uma boa opção de tratamento face a outros tratamentos existentes para esta condição. Permite também concluir que, com a insulina degludec, há uma redução significativa dos episódios de hipoglicemia grave e hipoglicemia nocturna, o que é uma grande vantagem para os doentes com diabetes tipo 2.

CONCLUSÕES PRÁTICAS

A nível de conclusões práticas, podemos considerar que esta insulina de nova geração, dá vantagens muito positivas aos doentes com diabetes tipo 2 :

  1. A insulinoterapia basal melhora o controlo glicémico e reduz o risco de hipoglicemia nos diabéticos tipo 2 em que o tratamento com antidiabéticos orais já não é suficiente.
  2. Esta insulina é segura na diabetes tipo 2 com alto risco de complicações cardiovasculares.
  3. É ainda eficaz na redução do risco de hipoglicemias graves e de hipoglicemias nocturnas

Para além da necessidade de prevenção da diabetes tipo 2, isto é, que a população se torne mais consciente da importância de um estilo de vida saudável, com a inclusão de atividade física e hábitos alimentares saudáveis, é importantíssimo que existam opções de tratamento capazes de responder às principais problemáticas do doente, não só a diabetes mas as comorbilidades relacionadas, especialmente no caso das hipoglicemias e doenças cardiovasculares.

 

Leia o artigo completo na edição de setembro 2017 (nº 275)