O Dia Mundial das Doenças Reumáticas, assinalado a 12 de outubro, é um momento privilegiado para refletir sobre a relevância crescente destas patologias no âmbito da Medicina Interna e, em particular, das doenças autoimunes sistémicas.
Este dia convida-nos a olhar com atenção para um grupo de doenças que afeta milhões de pessoas em todo o mundo — e Portugal não é exceção. Estima-se que 56 % da população portuguesa possa ter uma doença reumática, responsáveis, na maioria dos casos, por incapacidade física prolongada, perda de autonomia, elevado impacto psicológico e consequente absentismo laboral ou reformas antecipadas.
Artigo da responsabilidade da Dra. Natália Oliveira. Núcleo de Estudos de Doenças Autoimunes da SPMI. Coordenadora da Unidade de Doenças Autoimunes da ULSTS
As doenças reumáticas podem surgir em qualquer idade e incluem um vasto conjunto de entidades clínicas, muitas de natureza autoimune, como o lúpus eritematoso sistémico, a síndrome de Sjögren, a artrite idiopática juvenil, a esclerose sistémica, a doença de Behçet e as vasculites. Com expressão clínica heterogénea e frequentemente insidiosa — dores articulares persistentes, febre, fadiga intensa, alterações cutâneas ou problemas nos rins, pulmões ou coração — estas patologias colocam desafios diagnósticos e terapêuticos significativos, exigindo acompanhamento multidisciplinar e uma abordagem verdadeiramente holística.
O médico internista tem um papel fundamental na identificação precoce e no seguimento destas doenças. A capacidade de integrar sinais e sintomas multissistémicos é essencial para reconhecer padrões clínicos sugestivos e encaminhar atempadamente para investigação especializada. O seguimento regular permite avaliar a evolução da doença, monitorizar complicações e gerir comorbilidades, incluindo o risco cardiovascular acrescido, a osteoporose induzida por corticoterapia e as infeções associadas à imunossupressão.
Apesar dos desafios, a medicina tem feito grandes progressos. Os avanços terapêuticos das últimas décadas — dos fármacos biológicos às terapias alvo dirigidas a vias específicas da resposta imunitária — transformaram o prognóstico de muitos doentes, permitindo controlar melhor a doença e oferecer uma qualidade de vida muito superior à de décadas passadas. Ainda assim, a deteção precoce continua a ser essencial para evitar complicações e preservar a saúde a longo prazo.
Cuidar da saúde começa pelo conhecimento. Ao dar visibilidade a estas doenças, abrimos caminho para diagnósticos mais rápidos, tratamentos mais eficazes e, sobretudo, para uma melhor qualidade de vida de todos os que enfrentam diariamente o desafio de uma doença reumática. Persistem, contudo, importantes metas: definir estratégias terapêuticas personalizadas, gerir complicações e comorbilidades cumulativas, garantir acesso equitativo às terapias inovadoras e integrar medidas não farmacológicas — como exercício físico, nutrição adequada, apoio psicológico e estratégias de autocuidado — cuja importância é cada vez mais sustentada pela evidência científica.
Este dia é mais do que um marco simbólico: é uma oportunidade para reforçar a sensibilização pública, o diagnóstico precoce, a investigação clínica e a colaboração entre especialidades. É também um apelo à consciência coletiva, através do reconhecimento de sinais de alerta, da procura atempada de ajuda médica e da criação de meios que apoiem os doentes para que mantenham uma vida ativa e plena. Informar, esclarecer e desmistificar são passos essenciais para que cada pessoa, doente ou não, possa agir a tempo e participar ativamente na própria saúde.
Enquanto médicos — e em particular como internistas — temos a responsabilidade de ser facilitadores desta ponte entre ciência, prática clínica e qualidade de vida. O desafio é claro: continuar a construir caminhos para o futuro, centrando os cuidados de saúde no doente, sustentados no conhecimento científico e na colaboração multidisciplinar.
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