Todos os anos, a 17 de novembro, assinalamos o Dia do Não Fumador. Esta data é sempre uma oportunidade para refletirmos sobre os progressos alcançados na luta contra o tabaco e, sobretudo, sobre o muito que ainda há a fazer.
Artigo da responsabilidade da Dra. Inês Bento. Consulta Intensiva de Cessação Tabágica. USF Garcia de Orta. ULS Santo António, Porto
Como médica de Família, com experiência na Consulta de Cessação Tabágica, acompanho diariamente pessoas que decidem libertar-se do cigarro. E, se há algo que aprendi, é que deixar de fumar é um dos maiores desafios que alguém pode enfrentar, mas também uma das decisões mais transformadoras para a saúde e qualidade de vida.
TABACO: UM VELHO INIMIGO COM NOVAS FORMAS
Apesar dos avanços na prevenção e nas políticas de controlo do tabaco, este continua a ser uma das principais causas evitáveis de doença e morte, estando associado a cancros, doenças respiratórias, cardiovasculares e cerebrovasculares e afetando não só quem fuma, mas também quem convive com o fumo passivo.
Nos últimos anos, surgiram novas formas de consumo, como os cigarros eletrónicos e os produtos de tabaco aquecido. Muitos são promovidos como alternativas mais seguras, mas a verdade é que a ciência ainda não confirmou a sua segurança a longo prazo. Estes dispositivos mantêm a dependência da nicotina e, na maioria dos casos, apenas adiam o abandono definitivo.
PORQUE É TÃO DIFÍCIL DEIXAR DE FUMAR?
Costumo dizer aos meus doentes que o tabaco é um “companheiro enganador”: parece ajudar a relaxar, mas é ele próprio que cria a ansiedade e a necessidade de aliviar a abstinência.
A dependência da nicotina é uma das mais fortes que conhecemos. Atua diretamente no cérebro, alterando os circuitos de recompensa e tornando o abandono um processo que envolve sintomas físicos e psicológicos.
Além da dependência química, existe um componente comportamental e social – o cigarro após o café, a pausa no trabalho, o convívio com amigos. É por isso que parar de fumar não se resume a “ter força de vontade”: exige uma mudança profunda de hábitos e de perceções.
Com acompanhamento médico, as hipóteses de sucesso duplicam ou triplicam em relação a quem tenta deixar de fumar sozinho.
MÉTODOS DISPONÍVEIS PARA DEIXAR DE FUMAR
Abordagem cognitivo-comportamental
É o ponto de partida essencial. Envolve identificar os gatilhos (momentos, emoções ou locais que levam a fumar), definir metas, criar planos de substituição e aprender a lidar com o desejo sem recorrer ao cigarro.
São trabalhadas também técnicas de relaxamento, gestão do stress e reformulação de rotinas diárias. Este tipo de intervenção, por si só, pode duplicar as taxas de sucesso – e é ainda mais eficaz quando combinada com tratamento farmacológico.
Terapia de substituição de nicotina (TSN)
Adesivos, gomas, pastilhas ou sprays de nicotina são opções seguras e comprovadamente eficazes. O objetivo é fornecer nicotina em doses controladas, sem as mais de 7.000 substâncias tóxicas do cigarro, atenuando os sintomas de abstinência.
A TSN é uma das ferramentas mais versáteis: permite ajustar doses e combinações, e pode ser usada durante várias semanas ou meses, conforme o caso. A chave está na orientação médica, que garante o uso correto e previne recaídas.
Medicamentos sem nicotina
Existem alguns fármacos com eficácia reconhecida: a bupropiona, a vareniclina e a citisina. Estes atuam no cérebro, reduzindo o desejo de fumar e o prazer associado ao cigarro. A vareniclina, em particular, tem mostrado taxas de sucesso elevadas, sobretudo quando acompanhada de apoio cognitivo-comportamental.
Estes medicamentos requerem prescrição médica e vigilância, pois podem ter efeitos secundários, como enjoos/vómitos e alterações do sono. No entanto, quando bem indicados, são ferramentas de grande valor clínico no tratamento da dependência tabágica.
Produtos alternativos: cigarros eletrónicos e tabaco aquecido
Muitos fumadores veem estas alternativas como “menos nocivas” ou como uma “ponte” para deixar de fumar. Contudo, não há evidência suficiente de que sejam eficazes ou seguras. Pelo contrário, observa-se frequentemente que os utilizadores mantêm o consumo de nicotina e acabam por adiar o abandono.
A minha posição, enquanto médica, é clara: estes produtos não devem ser recomendados como método de cessação, exceto em contextos muito específicos e sob acompanhamento clínico.
Métodos alternativos na cessação tabágica
Embora o tratamento farmacológico e o apoio comportamental sejam os pilares com melhor evidência, várias abordagens complementares têm sido usadas com o objetivo de reduzir sintomas de abstinência, ansiedade e vontade de fumar, tais como a acupuntura, a hipnoterapia, a fitoterapia/produtos naturais (ginseng, valeriana), a laserterapia auricular, a aromaterapia e homeopatia.
Contudo, a maioria destas terapias apresenta evidência limitada ou inconclusiva/inexistente, não devendo ser vistas como substitutos dos métodos baseados em evidência.
Leia o artigo completo na edição de novembro 2025 (nº 365)














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