Os recentes avanços ao nível da cirurgia de estimulação cerebral profunda permitirão uma terapêutica mais individualizada, com um melhor controlo dos sintomas motores e uma diminuição dos efeitos adversos. Espera-se, assim, conseguir melhorias adicionais na qualidade de vida nos doentes com doença de Parkinson.
Artigo da responsabilidade da Dra. Carla Reizinho, neurocirurgiã do Grupo de Neuromodulação para o Tratamento da Dor Crónica do Hospital Egas Moniz
e
Dra. Raquel Barbosa, neurologista no Hospital Egas Moniz.
A doença de Parkinson (DP) é a segunda doença neurodegenerativa mais comum a nível mundial. Estima-se que em Portugal existam cerca de 20.000 doentes com DP, um número que provavelmente irá aumentar nos próximos anos. A doença é caracterizada por um agravamento progressivo de défices motores, como a lentidão de movimentos, a rigidez, o tremor, alterações da marcha e quedas.
O tratamento com fármacos dopaminérgicos (nomeadamente a levodopa) é a terapia de base para a DP e, nos estadios iniciais da doença, é eficaz na atenuação dos sintomas motores. Com a progressão da doença, os sintomas tornam-se mais refratários e surgem complicações motoras. Nesta altura, a cirurgia de estimulação cerebral profunda (Deep Brain Stimulation – DBS) deve ser considerada.
Quem são os candidatos para DBS?
São candidatos a cirurgia de DBS os doentes de Parkinson com sintomas não controlados com medicação oral ou doentes com discinésias (movimentos involuntários). A DBS só deve ser considerada após múltiplas tentativas de fármacos terem falhado e nunca como primeira linha de tratamento. Problemas de memória e patologias psiquiátricas não tratadas (por exemplo, depressão grave) são também contraindicações para DBS.
Apesar de não haver um limiar estabelecido relativo à idade limite para DBS, a cirurgia é normalmente ponderada apenas até aos 70 anos. A cirurgia, tal como a medicação, não impede a progressão da doença, embora melhore os sintomas motores e, portanto, a qualidade de vida do doente.
Em que consiste?
As primeiras cirurgias para o tratamento de alguns sintomas da doença de Parkinson remontam a 1912 e consistiam na lesão/destruição cirúrgica de grupos de neurónios (núcleos) localizados na profundidade do cérebro. Verificou-se que a lesão destes núcleos provocava uma melhoria em sintomas motores da DP.
Após um entusiasmo inicial, este procedimento lesivo para o cérebro e irreversível foi substituído, nos anos 60, pelos medicamentos ainda hoje usados no tratamento da doença.
Nos anos 80, voltou a haver interesse na recuperação da cirurgia como modalidade de tratamento nos casos em que a medicação já não conseguia melhorar significativamente a qualidade de vida do doente e, a partir de 1991, esta começou a ser amplamente usada, inicialmente pelo francês Benabid.
Nasce, então, a DBS, que consiste na colocação de um elétrodo com a sua região de estimulação centrada nos núcleos cerebrais já previamente usados na cirurgia de lesão. Este elétrodo está conectado a uma bateria, que fica implantada subcutaneamente no doente, tal como um pacemaker cardíaco. Os estímulos elétricos que são administrados aos núcleos cerebrais influenciam a atividade elétrica do cérebro, permitindo “afinar” a atividade da mesma, melhorando os sintomas da DP, sem lesar o tecido cerebral e apenas modulando a sua função, de forma reversível.
Como é selecionado o doente?
A seleção do doente é feita por uma equipa multidisciplinar. O neurologista especialista em Doenças do Movimento seleciona o doente que pode beneficiar da cirurgia. Em seguida, este é avaliado pelo psiquiatra e pelo neuropsicólogo. O doente realiza, então, uma ressonância magnética e o neurorradiologista, juntamente com o neurocirurgião, avaliam se a anatomia do doente permite a cirurgia. Finalmente, o doente é avaliado pelo anestesista e pelo neurocirurgião, no sentido de preparar o ato anestésico-cirúrgico.
Como se processa a cirurgia?
O ato cirúrgico decorre em 6 fases:
Inicialmente, é acoplado o arco estereotáxico no doente, sob anestesia local, após o qual é realizada uma TAC com contraste.
Na segunda fase, é realizado o planeamento com identificação do núcleo-alvo e da trajetória do elétrodo ao longo do cérebro, que deve evitar áreas cerebrais nobres, artérias e veias, para evitar complicações como a hemorragia cerebral.
Na terceira fase, é realizado um orifício no crânio, através do qual são colocados microelétrodos, que vão baixando ao longo do cérebro até ao alvo, monitorizando os sinais elétricos do cérebro (registo eletrofisiológico). Os núcleos cerebrais profundos têm assinaturas no seu sinal elétrico que permitem identificá-los.
Na quarta fase, já com os elétrodos no núcleo-alvo, é realizada a estimulação elétrica e avaliados os benefícios na função motora do doente, que está acordado e colabora na execução de tarefas. Nesta fase, são também identificados efeitos indesejados resultantes da estimulação de estruturas vizinhas. No fim desta fase, é identificado o local em que a estimulação é mais segura e eficaz.
Na quinta fase, é implantado o elétrodo definitivo no ponto definido pela equipa como ideal e fixado ao crânio.
As fases 3, 4 e 5 são repetidas para o outro lado do cérebro.
Na sexta fase, já sob anestesia geral, são conectados os dois elétrodos, que passam por baixo da pele, pela cabeça e pelo pescoço, até à região onde se situa a bateria, no peito, por baixo da clavícula.
Já no pós-operatório, procede-se ao ato de “ligar” o estimulador .
Avanços na Cirurgia de DBS
Apesar da eficácia comprovada da cirurgia de DBS estar na ordem dos 45-55%, havendo uma melhoria de 25% na qualidade de vida, a recente introdução de tecnologias como o Sensing e a direcionalidade podem vir a aumentar ainda mais a sua eficácia.
Sensing consiste na capacidade do neuroestimulador de detetar sinais cerebrais, neste caso, as ondas beta, que estão associadas aos sintomas motores da doença de Parkinson. Enquanto que, nos sistemas de DBS convencionais, a estimulação é feita de forma contínua, um sistema que permita detetar a presença ou ausência de ondas beta (que refletem a presença/ausência de sintomas parkinsónicos) irá permitir uma estimulação mais personalizada.
Neste momento, esta adaptação de estimulação em tempo real ainda não se encontra disponível, mas a capacidade de “ler” as ondas cerebrais dos doentes pode ser uma ajuda no que diz respeito à nossa compreensão da doença e otimização terapêutica.
Elétrodos direcionais
Adicionalmente, o aparecimento de elétrodos direcionais veio permitir otimizar ainda mais o tratamento. Com este tipo de elétrodos, é possível direcionar de forma mais precisa o campo de estimulação, permitindo redirecionar a estimulação para as zonas necessárias para o tratamento dos sintomas, minimizando os possíveis efeitos adversos decorrentes de estimulação das áreas adjacentes.
Hoje, é ainda possível realizar uma simulação virtual das áreas do cérebro do doente que estão a ser estimuladas, através de um software que usa a imagem de ressonância magnética do doente e a TAC realizada após o procedimento, para localizar, de forma exata, a posição dos elétrodos na profundidade do cérebro. Esta simulação poderá usar a direcionalidade dos elétrodos para prever a estimulação no alvo pretendido, evitando áreas vizinhas do cérebro, que ao serem inadvertidamente estimuladas podem gerar efeitos secundários indesejáveis.
A associação destes avanços permitirá uma terapêutica mais individualizada, com um melhor controlo dos sintomas motores e uma diminuição dos efeitos adversos. Espera-se, assim, conseguir melhorias adicionais na qualidade de vida nos doentes com doença de Parkinson.
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