O cancro do pâncreas (CP) corresponde, em mais de 90% dos casos, a adenocarcinomas e apresenta uma elevada mortalidade com uma sobrevivência aos cinco anos inferior a 5%. Na Europa e nos Estados Unidos ocupa, atualmente, o 4.º lugar em termos de mortes por cancro, mas estima-se que, em consequência do aumento da incidência, nomeadamente em jovens, em 2030 atinja o 2.º lugar nesta estatística. A nível mundial, situa-se em 7.º lugar e os países com maior incidência são a China, os Estados Unidos e o Japão. A idade média ao diagnóstico ronda os 55 anos, mas há um aumento claro do número de casos em idades mais jovens.

Artigo da responsabilidade da Dra. Anabela G. Barros. Diretora do Serviço de Oncologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e Presidente do Grupo de Investigação do Cancro Digestivo
Em Portugal, e de acordo com o Globocan 2022, registaram-se 2.158 casos de cancro do pâncreas (3,1% do total de casos de cancro) e a doença foi responsável por 2.086 mortes (6,2% do total de casos de morte associadas ao cancro).
Existem alguns fatores de risco identificados que incluem o tabagismo, a obesidade, a pancreatite crónica, a diabetes e a história familiar de cancro do pâncreas (sobretudo se mais de um familiar teve a doença). No entanto, cerca de 90% dos casos não se relacionam com a história familiar. Por outro lado, alguns dados sugerem que o consumo excessivo de álcool poderá contribuir para a doença. A idade avançada, tal como acontece na maioria dos cancros, constitui, por si só, um fator de risco não displicente.
Alguns dos sintomas mais comuns da doença são insidiosos e bastante inespecíficos o que dificulta a suspeição clínica e, consequentemente, o diagnóstico. A perda de apetite e/ou perda de peso, o cansaço e falta de energia, a icterícia (cor amarela da pele e escleróticas), o prurido, a descoloração das fezes (acolia) e a urina escura (colúria), tal como a sensação de febre não são, em regra, sintomas precoces. Alguns destes sintomas/ sinais dependem da localização do tumor no próprio órgão pelo que o diagnóstico de tumores do corpo e cauda do pâncreas, que não desenvolvem icterícia, colúria ou acolia, torna-se ainda mais difícil.
O prognóstico sombrio deve-se, em grande medida, à existência de metástases aquando do diagnóstico. Mesmo quando passível de cirurgia radical (a única opção terapêutica potencialmente curativa), que é possível, apenas, em cerca de 20% dos doentes, a recorrência atinge 50-80% dos doentes.
A história natural da doença inclui um crescimento rápido, metastização precoce e acompanha-se, por norma, de uma notável resistência às estratégias terapêuticas adjuvantes (complementares) à cirurgia. A eficácia, muito limitada, da quimioterapia e da radioterapia (únicas opções para a maioria dos doentes), impõe a necessidade urgente de novas modalidades terapêuticas.
O CP é muito resistente à quimio e radioterapia em comparação com outros tumores sólidos o que se atribui ao seu estroma complexo, muito heterogéneo, integrando vários tipos celulares alguns dos quais com grande potencial de multiplicação, denominada desmoplasia, e é responsável pela sua alta taxa de proliferação, capacidade de invasão e redução do oxigénio do microambiente tumoral. Assim, o estroma é, para além de uma barreira mecânica para a distribuição dos fármacos, um promotor ativo da progressão tumoral.
Mutação BRCA e cancro do pâncreas
Os indivíduos com mutação do gene BRCA têm um risco aumentado de desenvolver vários tipos de cancro ao longo da vida, incluindo cancro pancreático. Existem duas possíveis mutações deste gene designadas de BRCA1, associada a um risco de desenvolvimento da doença de 5% e BRCA2, com um risco de 5-10%, ambos nitidamente superiores ao risco da população em geral que se situa em redor de 1,7%.
Os genes BRCA são críticos no processo de reparação dos danos do DNA (fenómeno inicial no desenvolvimento do cancro) e as suas mutações conduzem a deficiências da sua reparação, processo fundamental na prevenção do desenvolvimento de cancro, uma vez que a acumulação destes erros conduz ao desenvolvimento, e crescimento, de células neoplásicas e, portanto, do cancro. No entanto, devemos que sublinhar que apenas uma pequena percentagem de casos de cancro do pâncreas se relaciona com as mutações BRCA.
Dadas as oportunidades terapêuticas associadas a estas mutações, e uma sensibilidade maior a determinados fármacos, é fundamental a sua identificação.
Os doentes com mutação BRCA podem responder melhor à quimioterapia que inclua platinos. Por outro lado, existem terapêuticas alvo que são particularmente eficazes no cancro associado a mutações BRCA. As células tumorais podem utilizar a via da PARP (poli-adenosina-ribose-difosfato polisomerase) como via alternativa de reparação do DNA para aumentar a sua sobrevivência: os inibidores da PARP bloqueiam esta via levando à morte das células tumorais, preservando as células saudáveis e, assim, aumentam a sobrevivência livre de progressão e a sobrevivência global dos doentes com cancro do pâncreas metastizado com esta mutação.
Estão, atualmente, em curso muitos ensaios clínicos que incluem vários inibidores da PARP usados quer em associação quer em monoterapia. Alguns ensaios avaliam, também, doentes com alterações noutros genes (ATM, PALB2, CHEK2) que esperamos venham a contribuir para um avanço significativo no tratamento da doença, sem esquecer todo o esforço que deve ser feito no sentido de um diagnóstico precoce da doença e, assim, ter um impacto positivo no prognóstico destes doentes.














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