O cancro do pâncreas é uma das doenças oncológicas mais desafiantes da atualidade, figurando entre as mais letais, sobretudo porque evolui de forma silenciosa e é, na maioria das vezes, diagnosticado demasiado tarde.

Artigo da responsabilidade do Prof. Dr. Miguel Mascarenhas. Gastroenterologista na Unidade Local de São João. Professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

 

PORQUE É TÃO DIFÍCIL DE DETETAR?

O pâncreas é um órgão discreto, situado profundamente no abdómen, atrás do estômago. O seu papel é fundamental: produz enzimas que ajudam a digerir os alimentos e hormonas como a insulina, que regula o açúcar no sangue.

Quando surge um tumor neste órgão, os sintomas iniciais são vagos e pouco específicos: dor abdominal ligeira, perda de apetite, emagrecimento ou fadiga. Só em fases mais avançadas aparecem sinais claros, como a icterícia – pele e olhos amarelados –, provocada pela obstrução dos canais biliares. Por isso, a maioria dos casos é diagnosticada numa fase tardia, quando as opções de tratamento já são limitadas.

FATORES DE RISCO

Embora qualquer pessoa possa desenvolver cancro do pâncreas, alguns fatores aumentam o risco:

  • Tabagismo;
  • Obesidade e sedentarismo;
  • Diabetes recente;
  • Pancreatite crónica;
  • Antecedentes familiares de cancro do pâncreas;
  • Alterações genéticas hereditárias – como mutações nos genes BRCA.

TRATAMENTO: UM DESAFIO CONSTANTE

A cirurgia é, atualmente, a única forma de tentar curar a doença, mas apenas uma minoria dos doentes pode ser operada. Quando isso não é possível, recorre-se a quimioterapia e, em alguns casos, radioterapia, sobretudo com o objetivo de prolongar a vida e controlar os sintomas. Apesar dos avanços, a taxa de sobrevivência continua baixa.

PAPEL DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

É aqui que a ciência e a tecnologia estão a abrir novas portas. Nos últimos anos, a Inteligência Artificial (IA) começou a ser aplicada à imagiologia e à endoscopia, permitindo analisar milhares de imagens médicas de forma mais rápida e precisa do que o olho humano.

E Portugal tem tido um papel pioneiro. O primeiro modelo mundial capaz de detetar e diferenciar lesões precursoras do cancro do pâncreas – isto é, alterações ainda não malignas, mas com risco de evoluir para tumor – foi desenvolvido em território nacional, na unidade de Medicina de Precisão do Serviço de Gastrenterologia da Unidade Local de São João, em parceria com Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.

Este modelo de IA foi validado num estudo multicontinental com milhares de doentes e demonstrou ser capaz de reconhecer padrões subtis que escapariam à observação convencional. O impacto foi tão significativo que o trabalho recebeu o Prémio de Melhor Estudo Científico apresentando no congresso anual do Colégio Americano de Gastrenterologia, em 2024, uma das mais prestigiadas distinções internacionais na área.

O FUTURO: DIAGNÓSTICO MAIS PRECOCE E PERSONALIZADO

A esperança é que, nos próximos anos, a IA permita identificar o cancro do pâncreas muito mais cedo, em fases em que ainda é tratável e, em muitos casos, curável. Além disso, estas ferramentas podem ajudar os médicos a decidir quais os doentes que precisam de vigilância apertada, evitando exames desnecessários a quem não corre riscos elevados.

ESPERANÇA DE SALVAR MILHARES DE VIDAS

O cancro do pâncreas continua a figurar entre os maiores desafios da medicina contemporânea. No entanto, os avanços multidisciplinares, fruto da convergência entre a investigação científica e a prática clínica, começam a desenhar uma nova era na sua deteção. Pela primeira vez, torna-se visível a possibilidade concreta de diagnosticar precocemente esta doença silenciosa – e, com ela, renasce a esperança de salvar milhares de vidas.

O que cada um pode fazer

Apesar dos avanços tecnológicos, há medidas que continuam a ser fundamentais para reduzir o risco:

  • Não fumar;
  • Manter um peso saudável;
  • Praticar atividade física regular;
  • Ter uma alimentação equilibrada, rica em frutas, legumes e fibras;
  • Procurar avaliação médica, se houver história familiar de cancro do pâncreas.

Saiba mais sobre saúde digestiva na Edição Especial SAÚDE E BEM-ESTAR – Conselhos Médicos nº43 – SAÚDE DIGESTIVA, integralmente redigida com o apoio científico da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia