A artrite reumatoide atinge quatro vezes mais a mulher que o homem, mas já não é uma condenação. Atualmente, com um diagnóstico precoce e o seguimento por parte de um reumatologista, é possível instaurar uma estratégia terapêutica que confere um excelente prognóstico face à doença.

 

Artigo da responsabilidade do Dr. Luís Cunha Miranda, Assistente Graduado de Reumatologia; Instituto Português de Reumatologia

 

A artrite reumatoide (AR) é uma das mais de 200 doenças reumáticas e musculoesqueléticas, todas elas diferentes, mas todas com um tremendo impacto na vida de mais de 50% dos portugueses.

De facto, mais de metade da população adulta portuguesa sofre de, pelo menos, uma doença reumática. De comum a todas elas a incapacidade que provocam ou podem provocar e a presença de dores e alterações musculoesqueléticas com limitação na capacidade de mobilização ou de utilização das articulações e músculos.

A AR atinge em Portugal quatro vezes mais a mulher que o homem e, como tal, devemos estar atentos às queixas articulares, nomeadamente se não tiverem uma causa identificável ou se perdurarem por semanas ou meses.

Características inflamatórias

De característico, a AR atinge múltiplas articulações, nomeadamente as pequenas articulações das mãos e pés, mas pode envolver muitas outras articulações. Como doença reumática sistémica, pode envolver, para além do sistema musculoesquelético, órgãos como o pulmão, o coração ou os olhos, entre outros.

Na artrite reumatoide, as dores são de características inflamatórias, o que quer dizer que são mais de manhã ou ao final da noite, melhorando ao longo do dia, e associando-se a uma sensação de rigidez ou de “ferrugem” das articulações que estão “perras” ou de difícil mobilização pela manhã, prolongando-se essa rigidez por mais de 30 minutos. Muitas das vezes, essa rigidez prolonga-se por horas, levando muitos doentes a levantar-se mais cedo para conseguirem funcionar melhor quando chegam ao trabalho.

Imagine uma dor numa qualquer articulação com edema e limitação do movimento. Muitos de nós, quer por acidente ou por traumatismo, tivemos essa experiência. Agora, imagine multiplicar isso por 10, 20 ou 30 articulações, com dores e limitação durante semanas ou meses. Imagine que isso se iria prolongar ao longo de toda a sua vida. Que impactos provocaria? Como cuidaria dos filhos? Como manteria uma vida profissional ou social minimamente ativa?

Devemos pensar que o pico da prevalência da doença é por volta do 40 a 55 anos, mas com muitas pessoas a iniciar a doença muito antes disso, e que tal faixa etária é também o pico da nossa atividade laboral e social e que esta doença pode ter um impacto significativo na vida e no futuro das pessoas que são afetadas por ela.

Diagnóstico precoce faz a diferença

Não sabemos muito relativamente às causas da doença e porque aparece nalgumas pessoas e não noutras, mas do que sabemos, a genética e o consumo de tabaco são causas importantes de se vir a desenvolver a doença. E se a genética não controlamos, já o consumo de tabaco depende da nossa escolha pessoal.

Mas ao pensar na artrite reumatoide, devemos ter a noção que, felizmente, ao longo dos últimos anos, muito foi descoberto e melhorado no diagnóstico e no tratamento destes doentes, e a incapacidade e as limitações que víamos há 20 anos são, hoje em dia, muito raras.

Um diagnóstico precoce e a chegada atempada ao reumatologista fazem uma grande diferença no prognóstico da doença. Um doente que seja diagnosticado rapidamente, que mantenha um seguimento regular em consulta de Reumatologia, que é a especialidade central no seguimento destes doentes, e que se possa controlar a doença com medicação dirigida, pode ter uma vida muito próxima do normal.

E é, sem dúvida, no seguimento e nos novos medicamentos que se assistiu a uma autêntica revolução. Hoje, temos diversas armas terapêuticas que podem ser utilizadas e que permitem a melhoria da atividade da doença no seu todo, com o objetivo de se atingir a remissão ou a baixa atividade da mesma.

Plano terapêutico

O plano terapêutico deve passar por medicação, exercício adaptado e controlo do peso, bem como o retirar do tabaco.

A medicação é usada pelo reumatologista de uma forma pensada, tendo em conta a resposta daquele doente concreto. As estratégias medicamentosas têm por base a utilização de fármacos de primeira linha de fácil manuseamento e, em caso de resposta, podem manter-se por diversos meses ou anos.

Contudo, em formas mais agressivas da AR ou quando se perde a boa resposta aos fármacos de primeira linha, podemos ter de escolher outros fármacos que, sendo mais complexos e com outro tipo de efeitos adversos, têm uma excelente resposta. Falo quer das terapêuticas biotecnológicas (ou biológicos como são conhecidos) quer os novos inibidores da JAK kinase, ambos são medicamentos muito eficazes na gestão do doente com artrite reumatoide e que são utilizados apenas quando os medicamentos de primeira linha falham.

Área de grande desenvolvimento

A área das doenças reumáticas sistémicas, como a artrite reumatoide, as espondiloartrites, incluído a espondilite anquilosante e a artrite psoriática e, mais recentemente, o lúpus eritematoso sistémico, são das áreas de maior desenvolvimento de novos fármacos e novas abordagens terapêuticas. Se há 20 ou 30 anos era uma quase fatalidade ter-se uma artrite reumatoide, hoje podemos, com o seguimento pelo especialista em Reumatologia e com uma boa estratégia partilhada entre o reumatologista e o seu doente, ter uma qualidade de vida bastante próxima do normal e, sobretudo, ter um futuro próximo ao de alguém da mesma idade, pensando em trabalho, filhos, família, desporto, etc.

São, sem dúvida, bons tempos para ser reumatologista e tratar doentes com artrite reumatoide, pois temos a capacidade para devolver às pessoas a sua vida, muito mais que apenas dar-lhe um diagnóstico e uma condenação. Das sensações mais gratificantes de ser-se médico é poder devolver a qualquer doente a capacidade de voltar a viver, apesar da doença.

Artigo publicado na edição de março 2021 (nº 314)