Em Portugal, o acesso a tratamentos biotecnológicos ainda enfrenta desafios significativos. Embora essas terapêuticas tenham revolucionado o tratamento de doenças até então com prognósticos globalmente maus, há desigualdades no acesso a esses medicamentos inovadores.
Artigo da responsabilidade do Dr. António Marinho. Diretor da Unidade de Imunologia Clínica da Unidade Local de Saúde de Santo António
Os medicamentos biotecnológicos são obtidos por processos que utilizam organismos vivos para a obtenção das substâncias ativas, nomeadamente anticorpos monoclonais ou relacionados. Eles são utilizados para tratar diversas patologias, incluindo doenças oncológicas, artrite reumatoide, espondilartropatias, artrite psoriática, doença de Crohn, colite ulcerosa, psoríase, lúpus eritematoso sistémico, esclerose múltipla, asma grave, doença inflamatória intestinal e dermatite atópica, entre outras.
INIQUIDADES NO ACESSO
Apesar da reconhecida mais-valia terapêutica, após a aprovação do seu financiamento pelo INFARMED e respetiva inclusão no formulário hospitalar, a maioria das terapêuticas biotecnológicas passa ainda por um processo prévio de avaliação e aprovação internos pelas Comissões de Farmácia e Terapêutica (CFT) de cada hospital. Este processo pode variar entre unidades hospitalares, em termos de tempos de resposta/aprovação de utilização, o que gera iniquidades nas condições de acesso a estes medicamentos a nível nacional.
Além disso, o Governo publicou uma portaria que determina que doentes com patologias como artrite reumatoide, espondiloartrite, artrite psoriática, artrite idiopática juvenil poliarticular e psoríase em placas, bem como os doentes com doença de Crohn ou colite ulcerosa, beneficiam de um regime excecional de comparticipação, podendo ser prescritos os medicamentos previstos para estas patologias em qualquer consulta especializada no diagnóstico e tratamento neste âmbito, dentro e fora dos estabelecimentos hospitalares do SNS. Porém, esta prescrição é muito limitada quer na tipologia de fármacos inseridos nessa portaria, quer nas indicações terapêuticas, excluindo inúmeros doentes da possibilidade de acesso fora do SNS.
O QUE FALTA?
O que falta, então, para que os portugueses portadores de patologias autoimunes sistémicas, como o lúpus eritematoso ou a artrite reumatoide, tenham um acesso igual e atempado a estes fármacos? Falta:
- Protocolos terapêuticos bem desenhados, que demonstrem custo-efetividade e que se tornem uma norma de orientação clínica aceite entre os clínicos e a tutela.
- Capacidade de resposta atempada dos serviços de saúde, públicos ou privados.
- Circuitos de prescrição, decisão e entrega uniformes a nível nacional (SNS e serviços privados), integrados numa única plataforma auditável, terminando com os processos hospitalares autónomos.
A discussão pode ser levada até aos centros de elevada diferenciação, públicos ou privados, que podem ser avaliadores e auditores das propostas terapêuticas.
As terapêuticas biotecnológicas são terapêuticas dispendiosas, mas que até hoje foram as que revelaram maior custo-efetividade em todos os sistemas de saúde a nível mundial.
CONSEQUÊNCIAS DOS ATRASOS DE PRESCRIÇÃO
O que significa um atraso de prescrição em doentes com indicação formal para tratamento biotecnológico? Esse atraso diminui muito a probabilidade de remissão das doenças, diminui a possibilidade de uma remissão sem fármacos (ou seja, aumenta a probabilidade de necessitar de medicação para o resto da vida), aumenta a probabilidade de dano irreversível, de perda de função vital, de perda de capacidade laboral, de aumento dos custos de saúde indiretos; culminando numa perda de anos de vida com qualidade adequada e em mortalidade precoce.
É, por isso, necessário terminar com a ideia, profundamente errada, de que os biotecnológicos são de utilização em fases avançadas das doenças. O conceito deve ser exatamente o oposto: os biotecnológicos (ou fármacos relacionados da mesma linha terapêutica, como alguns fármacos sintéticos) devem ser utilizados logo que as terapêuticas convencionais não atinjam os resultados pretendidos, podem ser necessários ao fim de três meses de um diagnóstico correto e, em alguns casos, logo no momento do diagnóstico.
Para este desiderato é necessário uma profunda alteração de procedimentos e mentalidades. É difícil de compreender que cada hospital, de uma rede nacional de saúde pública, tenha procedimentos diferentes, desigualdades na aprovação ou tempos de aprovação muito díspares. Por outro lado, também não é aceitável que apenas alguns fármacos e algumas patologias possam ser tratadas fora do SNS. É de uma desigualdade gritante e aumenta a pressão nos serviços públicos, agravando os seus tempos de resposta.
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