Entre os cerca de 1 milhão de portugueses com sintomas que podem ser explicados pela síndroma do intestino irritável, apenas 15% procuram o médico para obter um diagnóstico e um plano de tratamento. E muitos pensam estar na presença de uma doença muito grave…
Artigo da responsabilidade do Dr. Armando Peixoto Núcleo de Neurogastrenterologia e Motilidade Digestiva da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia.
Apesar de afetar cerca de 1 milhão de portugueses, revelando desta forma uma grande prevalência na população (cerca de 14% nas mulheres e 9% nos homens), a síndrome do intestino irritável (SII) é ainda desconhecida de grande parte das pessoas. Exemplo disso, é que se estima que apenas 15% das pessoas que sofrem com SII procuram ajuda médica para obter um diagnóstico e um plano de tratamento.
Quais os sintomas?
Esta é uma condição crónica do tubo digestivo, que se caracteriza, essencialmente, pela presença de dor abdominal e alteração nos hábitos intestinais, obstipação e/ou diarreia.
No entanto, nem todas as pessoas apresentam a mesma sintomatologia, uma vez que as causas que dão origem à síndrome do intestino irritável são explicadas pela ocorrência de um ou mais mecanismos, como por exemplo alteração da motilidade intestinal, hipersensibilidade visceral, disfunção do eixo cérebro-intestino ou até mesmo fatores psicossociais, como níveis elevados de stress, ansiedade, fobia ou depressão.
Deste modo, a perceção que cada um tem a nível dos sintomas associados à SII, bem como a intensidade com que os define e a importância e priorização dada a cada um deles, são, de certo modo, condicionados não só pelos mecanismos mencionados que estão subjacentes em cada pessoa, como também pelo impacto que a patologia causa no dia a dia de cada um.
Em que medida esta perceção é relevante?
Consoante a mencionada perceção por parte dos doentes relativamente aos sintomas, estes podem chegar à primeira consulta em estados diferentes: se, por um lado, existem doentes tranquilos, com o conhecimento de que serem diagnosticados com SII é uma possibilidade, há outros que julgam estar perante um cancro ou outra patologia muito grave, devido à semelhança dos sintomas, revelando sinais de grande stress e preocupação – que, como já vimos, agravam a sintomatologia, acabando por criar um ciclo de mal-estar.
É de mencionar, aqui, o papel da relação entre o médico e o doente, que tem uma importância-chave. Pelo médico, devem ser passadas mensagens de tranquilidade ao longo de todo o processo de diagnóstico, em que a síndrome do intestino irritável é abordada como um cenário benigno, quando existem outras patologias mais graves como possibilidade.
Não desvalorizando, claro, os sintomas indicados pelo doente, e de acordo com a predominância dos mesmos, os exames serão potencialmente diferentes, precisamente para que se excluam as patologias que podem ser caracterizadas por sintomas semelhantes aos da SII.
Diagnóstico e avaliação individualizada
Pelos motivos já referidos, o diagnóstico da SII nem sempre é fácil e rápido. Contudo, representa uma ferramenta essencial para ajudar quem sofre da patologia a lidar melhor com ela. Além disso, esse diagnóstico é também fundamental para que o doente receba uma explicação clara, bem como um tratamento eficaz, de forma a sentir menos ansiedade sobre o que está a provocar os sintomas.
Uma vez realizado o diagnóstico de SII, a situação de cada doente necessita ser avaliada de forma individualizada, para que o tratamento seja o mais direcionado possível para o doente e para os mecanismos potencialmente acionados no seu caso.
Falamos da personalização e individualização, uma vez que, tal como cada caso de SII pode ser diferente, também o tratamento o deve refletir. Por isso, este acompanhamento deve ser contínuo e adaptado, consoante as necessidades individuais, visto que o quadro pode sofrer alterações ao longo do tempo.
Medidas terapêuticas
Não existindo uma cura para esta condição, existem várias opções para atenuar os sintomas da síndrome do intestino irritável.
Para a maioria das pessoas, sobretudo as que tendem a sofrer de obstipação, a ingestão de fibras, hidratação adequada e a realização de atividade física regular têm um papel fundamental para garantir o equilíbrio do organismo e manter uma função normal do trato digestivo.
Em alguns casos, a medicação pode ser também um aliado eficaz no controlo dos sintomas; noutros, a suplementação com probióticos pode regularizar o funcionamento intestinal, bem como a evicção de determinados alimentos e a gestão do stress, uma vez que parecerem estar ligados a esta condição.
De forma geral, também um sono adequado parece ter influência nos sintomas da SII, que podem ser agravados pelos distúrbios de sono – neste caso, as soluções podem passar por mudanças de hábitos, como horas certas para acordar e deitar e não consumir cafeína ao final do dia.
Tendo em conta que, em média, esta patologia causa nos doentes sintomas em 8,1 dias por mês, torna-se fundamental reforçar na população a importância de procurar um acompanhamento médico sem receio, de forma que possa encontrar soluções e lidar o melhor possível com a SII, diminuindo o seu impacto físico, psicológico e socioeconómico e garantindo, assim, uma melhor qualidade de vida.
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