Quando se faz um diagnóstico de cancro de mama, o planeamento terapêutico inicial deve ocorrer num modelo multidisciplinar (integrando as várias especialidades envolvidas, como a cirurgia, a oncologia e a radioterapia) e definindo a sequência deste tratamento.

  

Artigo da responsabilidade da Dra. Catarina Rodrigues Santos. Cirurgiã de mama na Unidade da Mama do Hospital CUF Descobertas. Coordenadora da Clínica Multidisciplinar da Mama do IPO Lisboa.

  

Mais de 90% das doentes com o diagnóstico de cancro de mama terão necessidade de uma intervenção cirúrgica. E mesmo quando esta não é o primeiro tratamento, deve ser planeada desde o início. Por exemplo, em casos em que se realiza quimioterapia neoadjuvante (realizada antes da cirurgia), o tumor pode ter uma excelente resposta ao tratamento e deixar apenas uma cicatriz tumoral. Isto não elimina a necessidade de cirurgia e de excisão do “esqueleto” tumoral, pelo que este deve ser previamente referenciado com marcadores antes do tratamento. O mesmo princípio se pode aplicar à cirurgia da axila, podendo evitar linfadenectomias (remoção cirúrgica de gânglios linfáticos) desnecessárias após a quimioterapia. Por isto, a doente deve ser avaliada inicialmente, também pelo seu cirurgião, e planeada a estratégia cirúrgica.

INTEGRAÇÃO DE TÉCNICAS DE CIRURGIA PLÁSTICA

O objetivo principal da cirurgia oncológica será garantir que todo o tumor foi removido com margens livres e isto pode ser obtido com uma excisão limitada da mama, denominada cirurgia conservadora (tumorectomia ou mastectomia parcial), ou necessitar de uma mastectomia total.

A integração de técnicas de cirurgia plástica no procedimento oncológico permite, não apenas obter um melhor resultado estético, mas também facilitar a excisão de porções de mama maiores, sem criar grandes deformidades. Isto poderá favorecer a opção da cirurgia conservadora em casos antes tratados com mastectomia ou com resultados muito dececionantes na mama restante.

Assim, se a porção de mama a retirar é pequena, pode não ser necessária uma intervenção reconstrutiva específica ou apenas um remodelamento local com retalhos adjacentes (técnicas oncoplásticas de nível I).

Se o volume a retirar é maior (geralmente superior a 20%) ou o tumor está localizado nos quadrantes inferiores, o defeito esperado pode recomendar a utilização de técnicas oncoplásticas denominadas de nível II. Estas, para além do remodelamento do local do tumor, implicam variação da forma e volume da mama. São exemplos, as mamoplastias com padrão de Wise ou padrão vertical. A escolha da técnica e do padrão de cicatriz pode variar com a forma e densidade da mama ou a localização do tumor.

Quando a mama fica com um volume mais reduzido em relação à mama contralateral, pode optar-se por uma mamoplastia de redução contralateral ou ser necessário repor volume na mama operada com um retalho local, enxerto de gordura ou prótese.

Vários estudos nas últimas duas décadas têm suportado a segurança oncológica destes procedimentos, nomeadamente as publicações do cirurgião francês Krishna Clough, considerado o pai da cirurgia oncoplástica na Europa.

EXPECTATIVAS AJUSTADAS E ESCLARECIDAS

Contudo, apesar do claro benefício destas abordagens oncoplásticas, as expectativas da doente devem ser ajustadas e esclarecidas. Além das complicações inerentes à cirurgia conservadora, como a possibilidade de mastectomia no caso de excisão incompleta do tumor, a doente deve estar alerta para o padrão de cicatrização, redução da sensibilidade da pele e do mamilo, perda do mamilo, esteatonecrose (necrose da gordura da mama que é mobilizada pode dar origem a irregularidades na mama). Algumas das complicações podem levar a atrasos no tratamento, sejam derivadas da mama com tumor ou da mama contralateral. Os principais fatores de risco para complicações incluem obesidade, tabagismo e diabetes.

Quando é necessário avançar para uma mastectomia total, esta remove toda a glândula, pele e complexo areolomamilar. Mas, atualmente, sempre que possível, pelas condições do tumor e da pele, pode optar-se por uma mastectomia que preserva a pele e mesmo o complexo areomamilar, sem compromisso do resultado oncológico. Também neste campo, tem aumentado a publicação de resultados de segurança na preservação da pele e complexo areomamilar, incluindo os nossos próprios trabalhos.

RECONSTRUÇÃO IMEDIATA SEMPRE QUE POSSÍVEL

A reconstrução após mastectomia pode ser realizada de imediato, aquando da intervenção oncológica ou pode ser diferida para uma segunda cirurgia. As mastectomias poupadoras de pele e complexo areolomamilar facilitam a reconstrução imediata, na medida em que todo o invólucro mamário está conservado.

Quando há necessidade de repor pele, pode optar-se por retalhos autólogos (com tecidos da própria doente); os mais frequentemente usados são do abdómen ou do dorso ou pela colocação de um expansor tecidular, que fará expandir a pele progressivamente. Em geral, estas técnicas são usadas em contexto de reconstrução diferida, não sendo impossível a sua realização de imediato.

A reconstrução após a mastectomia poupadora de pele e complexo areolomamilar pode ser realizada com qualquer uma das técnicas, mas mais comumente é usada uma reconstrução baseada em próteses de silicone ou salinas, cobertas por retalho muscular ou matriz dérmica acelular (tecido de origem animal que auxilia a fixação da prótese e cicatrização da pele, incorporando-se no tecido celular subcutâneo). Esta abordagem tem tido grande crescimento na utilização, pois permite uma reconstrução imediata, por vezes em uma única cirurgia e com recuperação também mais precoce.

A reconstrução do complexo areolomamilar, quando requerida, pode ser realizada com recurso a diferentes técnicas. A aréola é tatuada e o mamilo refeito a partir de um pequeno enxerto livre de pele de outra área corporal, mamilo contralateral ou prótese.

COMPLICAÇÕES ESPERADAS

A escolha do tipo de reconstrução depende de vários fatores e deve resultar da conversa entre o doente e o seu cirurgião. Pode estar contraindicada ou não recomendada de imediato em função do estadio do tumor, dos tratamentos esperados (por exemplo, a necessidade de fazer radioterapia deve ser considerada para a técnica escolhida e resultados esperados) ou doenças concomitantes (maior risco de complicações em fumadoras, diabetes, obesidade).

As complicações esperadas estão dependentes da técnica usada e das comorbilidades da doente. Podem considerar-se complicações pós-operatórias – hemorragia, infeção, necrose dos tecidos, exposição da prótese – e mais tardias – dor, defeitos das cicatrizes / hérnias das áreas dadoras de retalho, contratura da prótese, rotura ou rotação da prótese, linfoma anaplásico associado a prótese (sendo este último uma entidade rara com cerca de 900 casos descritos mundialmente). O tempo de recuperação depende do tipo de reconstrução, sendo em geral 4 a 8 semanas.

Dada a complexidade crescente das técnicas usadas em cirurgia conservadora e em alguns tipos de reconstrução após mastectomia, muitas equipas de cirurgiões trabalham num modelo de equipa mista (cirurgião oncológico e cirurgião plástico), mas em centros de alto volume e com a generalização das técnicas, os cirurgiões dedicados ao tratamento das doenças da mama reúnem competências para a totalidade dos procedimentos. Deve questionar o seu cirurgião sobre a sua experiência e volume de cirurgias realizadas.

Leia o artigo completo na edição de outubro 2022 (nº 331)