A confirmação de uma doença inflamatória intestinal constitui, em qualquer idade, um verdadeiro terramoto emocional. A Consulta de Psicologia é uma ajuda natural para processar toda a nova informação e procedimentos, todo o caminho de reconstrução e esperança que o doente tem pela frente.

Artigo da responsabilidade do Dr. Jorge Ascenção. Psicólogo Clínico e da Saúde. Membro da Comissão Científica da Associação Portuguesa da Doença Inflamatória do Intestino (APDI)

 

 

 

 

As doenças inflamatórias intestinais (DIIs) afetam mais de 10 milhões de pessoas no mundo inteiro. Em Portugal, são mais de 25.000 aqueles que receberam este diagnóstico, como se de um “presente envenenado” se tratasse. Expressão bem aplicada se pensarmos que, em vários momentos da sua vida, a grande maioria destas pessoas sente que tudo o que ingere, comida ou bebida, lhe pode trazer dor abdominal, desconforto geral, vómitos ou diarreias, com ou sem sangue, entre outros sintomas.

DOENÇAS “JOVENS”

Entendam-se estas DIIs como um conjunto de doenças inflamatórias que afetam o sistema digestivo, divididas em dois subtipos principais: a doença de Crohn e a colite ulcerosa. Distinguidas, ambas, nas suas caraterísticas clínicas, na sua extensão, bem como na progressão da doença em causa.

Ecléticas, como novidades imprevistas, que surgem, sem culpas, em qualquer idade, de crianças a adolescentes e de adultos mais jovens a adultos mais velhos.

Mas, ainda assim, doenças “jovens”, diga-se, dado que, no caso da doença de Crohn, o diagnóstico tende a acontecer entre os 20 e os 30 anos, e no caso da colite ulcerosa, este surge habitualmente entre os 30 e os 40 anos de idade.

E de tão complexas na sua possível origem ou causa que, dos 6 aos maiores de 66 anos, repetem-se as questões do “porquê eu?”, “porquê a mim?” e “porquê agora?”.

ETIOLOGIA MULTIFATORIAL

Realmente, seria natural esperar que, três séculos após a primeira descrição de uma DII, já conseguíssemos esclarecer bem a sua causa e a sua resolução. Contudo, fruto de grandes avanços científicos e tecnológicos, o melhor que apurámos é uma etiologia multifatorial.

Em primeiro lugar, uma traição do nosso sistema imunitário, responsável máximo da nossa proteção, e que, por alguma razão, escolhe como alvo o sistema digestivo e os órgãos adjacentes na doença de Crohn e, no caso da colite ulcerosa, resume o seu ataque ao intestino grosso.

Num segundo fator teremos o próprio microbioma e epitélio intestinal, habitualmente povoados de saudáveis espécies bacterianas, e que, no caso de quem tem DII, se encontram alteradas, quer em variedade, quer em densidade destas populações.

A suscetibilidade genética, não sendo suficiente para se considerar uma hereditariedade direta das DIIs, não deixa de ser um importante terceiro fator. Observa-se, por exemplo, na doença de Crohn, mais do que na colite ulcerosa, a existência de parentes diretos também com este diagnóstico.

FATORES AMBIENTAIS FAVORÁVEIS À DOENÇA

Acrescentando os fatores ambientais favoráveis à doença, conseguimos uma espécie de “tempestade perfeita” para a ocorrência e desenvolvimento de uma DII. Digo “favoráveis à doença” dado que encontramos, quase sempre, um ou vários destes fatores no histórico de alguém com DII. Além disso, parece que a redução ou moderação dos mesmos levará a uma melhoria geral de qualidade de vida e, eventualmente, a uma melhor gestão, e até diminuição, dos sintomas.

Os hábitos tabágicos, alterações alimentares e nutrição, stress, alterações no ciclo de sono ou na utilização recorrente de determinadas medicações, ou mesmo a exposição a poluição, entre outros, fazem parte destes fatores ambientais.

Julgo que será mais fácil assim compreender o chorrilho de questões, de dúvidas, de explosão e de vazio, dado que, até ver, ninguém costuma ter nos seus planos viver com uma doença inflamatória intestinal, ou qualquer outra doença crónica. Provavelmente, nem sequer pensar nestes fatores, até ao dia em que não conseguimos resolver os incessantes “porquês”.

Leia o artigo completo na edição de maio  2023 (nº 338)