O apoio ao doente e sobrevivente de cancro e família constitui um dos desígnios primários da Liga Portuguesa Contra o Cancro e é concretizado através da disponibilização de serviços gratuitos, nomeadamente apoio psicológico e emocional, entre outros.
Artigo da responsabilidade da Dra. Sónia Silva, Psicóloga Clínica; responsável pela Unidade de Psico-Oncologia da Liga Portuguesa Contra o Cancro – Núcleo Regional do Centro
O cancro é cada vez mais um relevante problema de saúde pública. Só em 2018, estima-se que em Portugal tenham sido diagnosticados cerca de 58.000 novos casos de cancro e ocorrido 29.000 mortes (GLOBOCAN, 2019). O número de sobreviventes de cancro tem vindo a aumentar, o que não deixa de acarretar inúmeros desafios para doentes, cuidadores, profissionais de saúde e sociedade em geral, em virtude da morbilidade física, psicológica e social, resultante da doença e do seu tratamento.
Aproximadamente 25 a 35% dos doentes com cancro apresentam sintomas clinicamente significativos de sofrimento emocional ou “distress“, termo anglo-saxónico que remete para uma experiência subjetiva de natureza psicológica (cognitiva, comportamental, emocional), social e/ou espiritual, que varia de sentimentos comuns de vulnerabilidade, tristeza e medo, a problemas que podem tornar-se incapacitantes.
Este sofrimento foi declarado em 2006 como o 6º sinal vital, requerendo, portanto, avaliação e monitorização, o que, por sua vez, permitirá identificar os doentes em maior risco de desenvolver alguma perturbação emocional e, consequentemente, com maiores necessidades de intervenção psicológica.
Dimensões psicossocial e psicobiológica
A Psico-Oncologia é a disciplina que se centra no estudo de uma dimensão psicossocial e de uma dimensão psicobiológica do cancro. Enquanto área de interface entre a Psicologia e a Oncologia, tem por principais objetivos estudar e intervir sobre as respostas psicológicas dos doentes com cancro, suas famílias e cuidadores, em todas as fases da doença, assim como estudar a influência dos fatores psicológicos, comportamentais e sociais no processo de doença, nomeadamente na sua origem e curso.
São vários os sintomas psicológicos que, identificados, merecem ser alvo de uma avaliação mais profunda e, eventualmente, de uma intervenção psicológica especializada. Por exemplo, sentimentos persistentes de tristeza, culpa ou desespero; agitação, ansiedade e irritabilidade; e perda de interesse nas atividades habituais, podem ser indiciadores de um quadro depressivo, pelo que devem ser monitorizados.
É importante referir que estes sentimentos são, na maioria dos casos, normativos e tendem a ser mais acentuados na fase inicial após o diagnóstico, diminuindo progressivamente à medida em que o doente vai encontrando recursos para fazer face aos desafios e exigências inerentes ao curso natural da doença e tratamento.
Caso permaneçam por períodos muito prolongados e interferiram com o normal processo de adaptação psicológica, poderão mesmo colocar em causa a adesão terapêutica e a eficácia do tratamento.
Outros sintomas como o isolamento ou desinvestimento das relações sociais, nomeadamente do relacionamento íntimo e sexual com o(a) companheiro(a), dificuldade em lidar com a autoimagem e autoestima diminuída, são outros aspetos que não podem ser negligenciados.
Além disso, situações de recusa em aceitar o diagnóstico e as mudanças que a doença impõe na vida de doentes e familiares, dificuldade em lidar com o medo e incerteza quanto ao futuro e ao prognóstico, problemas comunicacionais com os profissionais de saúde e gestão de processos de luto, no caso de familiares e cuidadores, são mais alguns motivos subjacentes aos pedidos de apoio psicológico.
Número de especialistas é muito escasso
A investigação tem demonstrado um benefício da intervenção psicológica no que respeita ao bem-estar e qualidade de vida dos doentes oncológicos e, indiretamente, nos indicadores biológicos e até na sobrevida. Por exemplo, a intervenção psicológica visa uma redução da sintomatologia ansiosa e depressiva, sintomas que se acredita afetarem a sobrevivência ao suprimir os sistemas imunológico e neuroendócrino. Ao reduzir esta sintomatologia, a intervenção psicológica poderá estar a conferir, segundo alguns estudos, um benefício de 1 a 2 anos de vida aos doentes que dela usufruem.
Os Centros Regionais do Instituto Português de Oncologia Francisco Gentil dispõem de profissionais de Psicologia e Psiquiatria especializados em Psico-Oncologia. Outros hospitais, com serviços de Oncologia, terão profissionais daquelas áreas profissionais a quem poderá ser realizada a referenciação. No entanto, é sentido que o número de profissionais é muito escasso ou inexistente, não suprindo as necessidades de apoio psicológico aos doentes que o requerem e menos ainda às famílias e/ou cuidadores que, na trajetória da doença, figuram como “doentes escondidos”.
Serviços gratuitos
A Liga Portuguesa Contra o Cancro (LPCC) é uma organização da sociedade civil com vários objetivos direcionados para a problemática da doença oncológica. O apoio ao doente e sobrevivente de cancro e família constitui um dos seus desígnios primários e é concretizado através da disponibilização de serviços gratuitos, nomeadamente apoio psicológico, emocional (entreajuda), jurídico, ocupacional, material, entre outros.
Em 2009 e fruto da perceção das lacunas existentes em Portugal neste domínio de intervenção, e com o apoio inicial da Fundação AMGEN, a LPCC constituiu Unidades de Psico-Oncologia que visam a disponibilização de apoio especializado e gratuito a doentes oncológicos, extensível a familiares e cuidadores, e aos profissionais de saúde.
O balanço destes 10 anos tem sido extraordinariamente positivo. Atuando de forma descentralizada e numa perspetiva de proximidade, estas Unidades estão presentes em 45 concelhos de Norte a Sul do País, incluindo Açores e Madeira. Até ao primeiro semestre de 2019, foram cerca de 7500 os utentes que beneficiaram do apoio psicológico, dos quais cerca de 51% são doentes oncológicos. Foram realizadas mais de 47 mil consultas. Estes números são bastante significativos, sobretudo se olharmos ao facto de se tratar de um serviço “extra-hospitalar”. Por outro lado, e a par de toda a atividade assistencial, foram realizados 12 eventos de natureza científica, alguns de cariz internacional, o acolhimento de estágios académicos e profissionais, um contributo relevante para a formação dos futuros profissionais, assim como o desenvolvimento de um grande número de atividades comunitárias, sobretudo tendo em vista a sensibilização para a prevenção e diagnóstico precoce do cancro.
Além do apoio psico-oncológico gratuito, a LPCC dispõe também de outras áreas de intervenção no apoio ao doente e família, como é o caso do apoio material, em situações de comprovadas dificuldades económicas no agregado familiar, ou, por exemplo, do apoio jurídico, quando são colocados em causa os direitos dos doentes.
São vários os canais através dos quais o doente ou familiar pode requerer qualquer um destes serviços, destacando o site – www.ligacontracancro.pt ou a Linha Cancro, cujo número é o 808 255 255.
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