A perturbação de hiperatividade e défice de atenção é uma perturbação do neurodesenvolvimento que afeta diretamente as funções executivas. E, embora os sintomas mudem com a idade, a sua influência prolonga-se por toda a vida.
Artigo da responsabilidade do Dr. Alexandre Bogalho. Psicólogo clínico. Neuropsicólogo.
Durante anos, a perturbação de hiperatividade e défice de atenção (PHDA) foi tratada como um incómodo infantil, um excesso de energia mal canalizado, uma criança que “não se consegue sentar sossegada”. À medida que cresciam, esperava-se que os sintomas desaparecessem por magia, como a acne ou os desenhos animados ao sábado de manhã. Mas a PHDA não é uma fase. E os adultos que cresceram com ela sabem-no demasiado bem – ou, mais frequentemente, descobrem-no tarde demais.
FUNÇÕES EXECUTIVAS
A vida adulta, essa selva de compromissos, prazos e contas por pagar, não é exatamente o habitat ideal para cérebros com défices nas funções executivas. Esquecer reuniões, perder chaves, adiar decisões importantes ou dizer aquilo que não se devia – na hora errada, à pessoa errada – pode parecer, à superfície, fruto de distração ou desorganização. Mas, abaixo dessa superfície, está um cérebro a tentar, com esforço desproporcional, regular-se a si próprio. É aqui que entram as funções executivas.
Mas o que são, afinal, as funções executivas? São como o maestro de uma orquestra. Não produzem som, mas coordenam tudo o que acontece. São um conjunto de processos cognitivos de nível superior, sediados no córtex pré-frontal, que nos permitem planear, tomar decisões, inibir impulsos, alternar entre tarefas e manter a informação ativa na mente, a chamada memória de trabalho. Quando estas funções falham – como frequentemente acontece na PHDA – a vida torna-se uma sequência de reações, em vez de ações planeadas.
INFLUÊNCIA POR TODA A VIDA
A PHDA é, na sua essência, uma perturbação do neurodesenvolvimento que afeta diretamente estas funções. E, embora os sintomas mudem com a idade, a sua influência prolonga-se por toda a vida. A impulsividade deixa de ser correr pelos corredores da escola e passa a ser interromper o colega numa reunião. A desatenção já não é sonhar acordado durante as aulas, mas esquecer de pagar uma fatura ou não conseguir acabar de ler um e-mail.
É frequente o diagnóstico tardio como consequência do peso do desconhecimento. Muitos adultos chegam ao diagnóstico depois de uma vida de tentativas falhadas. Trocam de emprego com frequência, têm dificuldades em manter relações estáveis, sentem-se cronicamente desorganizados e culpam-se por não “funcionarem” como os outros. Há quem chegue ao consultório pela mão da ansiedade ou da depressão – companheiras frequentes de uma PHDA não diagnosticada.
AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA
O diagnóstico na idade adulta implica uma avaliação clínica detalhada, frequentemente feita por um neuropsicólogo ou psiquiatra. São usados questionários, entrevistas clínicas e, muitas vezes, testes neuropsicológicos formais para avaliar as funções executivas, a atenção sustentada, a impulsividade e a memória de trabalho.
A avaliação neuropsicológica é uma ferramenta essencial para compreender o funcionamento cognitivo de um indivíduo com suspeita de PHDA. Em Portugal, esta avaliação inclui instrumentos padronizados que medem a atenção, a memória, a função executiva e outras capacidades cognitivas. Segundo Pereira (2020), a utilização de testes como o Continuous Performance Test (CPT) e o Teste de Stroop permite identificar padrões de desempenho característicos da PHDA, como a impulsividade e a dificuldade em manter a atenção sustentada.
Além disso, a entrevista clínica detalhada e a recolha de informações de múltiplas fontes – como familiares e professores – são cruciais para um diagnóstico preciso. A presença de sintomas desde a infância, a sua persistência ao longo do tempo e o impacto funcional na vida do indivíduo são critérios fundamentais para o diagnóstico de PHDA em adultos.
ESTIGMA E DESCONHECIMENTO: O PESO INVISÍVEL
Apesar dos avanços na compreensão da perturbação de hiperatividade e défice de atenção, o estigma e o desconhecimento continuam a ser barreiras significativas. Um estudo recente destaca que muitos adultos com PHDA enfrentam preconceitos e falta de compreensão por parte da sociedade, o que pode levar ao isolamento e à baixa autoestima.
A ideia de que a PHDA é uma “desculpa” para comportamentos inadequados ou falta de disciplina é ainda prevalente. Esta perceção errada impede muitos adultos de procurarem ajuda e de receberem o apoio necessário para gerir a sua condição.
Leia o artigo completo na edição de novembro 2025 (nº 365)














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