As estatinas são medicamentos amplamente utilizados para tratar o colesterol elevado e prevenir problemas como enfarte agudo do miocárdio (EAM) e acidente vascular cerebral (AVC). São muito eficazes, mas algumas pessoas relatam dificuldades no seu uso devido a efeitos secundários, reais ou percecionados. Este problema, conhecido como intolerância às estatinas, tem levantado muitas questões e desafios na área da saúde.
Artigo da responsabilidade da Prof.ª Dra. Cristina Gavina. Diretora do Serviço de Cardiologia da ULS Matosinhos e investigadora principal do estudo PORTRAIT-DYS
A intolerância às estatinas é definida como ocorrência de efeitos adversos, geralmente dores musculares, que levam à redução da dose (intolerância parcial) ou interrupção do uso do medicamento (intolerância total).
A maioria das queixas que são atribuídos às estatinas resultam na realidade de problemas osteoarticulares ou queixas transitórias relacionadas com outras causas e levam à descontinuação inadequada de uma terapêutica com claro benefício na prevenção de eventos cardiovasculares. As dores musculares resultantes do uso de estatinas ocorrem geralmente no início do tratamento, com o uso de doses mais elevadas, atingem grandes grupos musculares bilateralmente, e tipicamente desaparecem com a suspensão e reaparecem com o reinício.
Estudos recentes que analisaram a informação recolhida em vários estudos aleatorizados de elevada qualidade, mostram que este é um fenómeno pouco frequente, que surge em até 10% dos casos, dependendo da definição usada.
Na população da ULS de Matosinhos, o estudo PORTRAIT-DYS, que caracteriza o controlo do colesterol e uso de medicação para baixar o colesterol nos frequentadores dos Cuidados de Saúde Primários, confirmamos que a intolerância a estatinas estava presente em 9,6% das pessoas com idade entre 40 e 85 anos. Por isso, é fundamental que os profissionais de saúde avaliem cuidadosamente cada caso. Testes e abordagens, como reintroduzir o medicamento em doses menores ou utilizar versões alternativas, podem ajudar a confirmar se os sintomas estão mesmo relacionados às estatinas.
O que isto significa, na prática?
Estes novos dados trazem lições valiosas para médicos e doentes. Em primeiro lugar, é essencial esclarecer mitos sobre os efeitos secundários das estatinas. Muitas vezes, o receio de usar o medicamento surge de informações exageradas ou incorretas. Assim, tanto os médicos como os doentes precisam de compreender melhor os benefícios e riscos reais do tratamento. Por outro lado, atualmente existem outras opções de fármacos eficazes, mas sem o risco aumentado de dores musculares, tendo já demonstrado benefícios na redução dos eventos cardiovasculares em ensaios clínicos em doentes intolerantes comparativamente ao placebo (comparador sem princípio ativo e que tem o mesmo aspeto do fármaco ativo para não influenciar o resultado).
Outro aspeto importante é a comunicação entre médicos e doentes. O profissional de saúde deve explicar de forma clara as razões para prescrever estatinas, os possíveis efeitos secundários e as alternativas disponíveis caso o doente realmente não consiga tolerar o medicamento. Quando o doente compreende melhor o tratamento, tende a segui-lo com mais confiança.
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