As dificuldades relacionadas com a conceção afetam cerca de 300 mil casais em Portugal. Também se sabe que há uma tendência de crescimento e as percentagens são muito semelhantes em mulheres e homens. Falemos do desafio, nas suas várias vertentes, que a infertilidade representa para a ciência e a sociedade.

Artigo da responsabilidade da Dra. Catarina Godinho. Ginecologista e especialista em Procriação Medicamente Assistida, Clínica IVI Lisboa

 

 

Nem sempre nos lembramos que a espécie humana tem um baixo poder reprodutivo. Estima-se em apenas 25%, por mês, a possibilidade de a mulher engravidar na relação sexual durante a ovulação. Contudo, existem outros fatores relacionados com patologias ou mesmo com alguns fatores externos que interferem nesta percentagem, como é o caso do stress, alimentação pouco equilibrada ou a poluição.

DADOS PARA REFLEXÃO

Ainda recentemente, a Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgou um estudo sobre infertilidade, o qual revela dados que merecem reflexão: uma em cada seis pessoas sofre de infertilidade no mundo. Esta é uma realidade que atinge países ricos e pobres com percentagens muito semelhantes: 17,8% e 16,5%, respetivamente.

A grande diferença está no acesso a tratamentos de fertilidade. Neste sentido, a OMS lançou um repto mundial para que os países apostem em soluções para a prevenção, o diagnóstico e o tratamento da infertilidade. Para além disso, é essencial apostar na promoção da saúde em geral, no combate ao sedentarismo e numa mudança de mentalidades no âmbito das políticas ambientais e sociais, que coloquem a família num plano mais elevado. É também importante garantir apoio psicológico aos casais inférteis.

Em Portugal, à semelhança do que acontece em alguns países europeus, a idade média da mãe ao nascimento do primeiro filho continua a aumentar. De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística, em 2021, esta média era de 30,9 anos. A idade da mulher é um fator determinante para se alcançar uma gravidez, com ou sem ajuda médica. Não sendo um único fator a explicar a infertilidade mundial, é um fator muito relevante, com toda a certeza.

COMO DEFINIR A INFERTILIDADE?

Em termos genéricos, podemos definir a infertilidade como sendo a incapacidade de um casal obter uma gravidez após 12 meses de tentativa sem uso de qualquer meio contracetivo, nos casos em que a mulher tenha uma idade inferior a 35 anos. Se a mulher tiver uma idade superior, este período é reduzido para seis meses.

Neste contexto, tendo em conta que a quantidade e a qualidade dos ovócitos diminuem consideravelmente a partir dos 35 anos, e que há uma idade limite para a mulher poder aceder a tratamentos de Procriação Medicamente Assistida (PMA) no sistema público, é de extrema importância despistar eventuais problemas de fertilidade no casal, o mais precocemente possível.

A avaliação do casal infértil inclui a recolha da história clínica de ambos, a avaliação ginecológica, o estudo hormonal, a ecografia ginecológica e, eventualmente, um estudo imagiológico às trompas no caso da mulher. No caso do homem, é necessário avaliar a qualidade do esperma através de um espermograma.

Em cerca de 30% dos casos, a infertilidade está relacionada com causas femininas, outros 30% com causas masculinas, 20% com causas mistas e outros 20% não se identifica qualquer causa ou explicação para a infertilidade.

ALTERAÇÕES NO ESTILO DE VIDA

Algumas alterações no estilo de vida do casal, sob orientação médica, têm sido um apoio importante para a obtenção de uma gravidez. Para além da idade da mulher, fator primordial, o consumo do tabaco e álcool, o excesso de peso e obesidade, a ausência de atividade física e a alimentação pouco variada são fatores que prejudicam a fertilidade.

Nestes casos, o controlo de alguns destes fatores, como perder peso e deixar de fumar, podem ajudar a facilitar uma gravidez. Alguns estudos já demonstraram que o fumo do tabaco prejudica a função ovárica, o funcionamento das trompas e a recetividade do endométrio na mulher e a diminuição da qualidade do sémen.

Pelo contrário, a atividade física moderada produz benefícios cardiovasculares, metabólicos, endócrinos e neurológicos, além de melhorar a qualidade dos espermatozoides, o funcionamento ovárico e as condições de implantação embrionária na mulher, é também um bom apoio para ajudar a gerir o stress e a ansiedade, grandes inimigos da fertilidade.

O casal deve procurar estratégias de relaxamento, evitando ficar preso na teia de emoções que a infertilidade traz, fundamental para a saúde da sua relação, que deve estar ainda mais fortalecida nesta altura.

CONSULTA DE FERTILIDADE

Outro aspeto que merece particular atenção é o facto de a infertilidade masculina estar a aumentar e já representar cerca de metade dos casos. Alguns estudos realizados em diversos países indicam que as substâncias químicas presentes em pesticidas, nos solventes e recipientes de plástico são especialmente tóxicas para o tecido testicular, que contribuem para uma menor qualidade do sémen. O uso de alguns aparelhos como telemóveis ou portáteis/tablets e a utilização frequente de saunas e banheiras aquecidas são também apontados como possíveis causas da diminuição da qualidade seminal.

A consulta de fertilidade está recomendada após um ano de tentativas para conceber quando a mulher tem menos de 35 anos. Para as mulheres com idade superior a 35 anos, o casal deve procurar ajuda ao fim de seis meses. Uma vez que a quantidade e qualidade de óvulos começa a diminuir, é importante não adiar uma primeira consulta com um especialista.

Atualmente existe uma multiplicidade de métodos para ultrapassar a barreira da infertilidade, mas não é permitido aceder a tratamentos de Procriação Medicamente Assistida (PMA) após os 40 anos no serviço público e dos 49 anos e 365 dias (366 dias, no caso dos anos bissextos) no setor privado.

Leia o artigo completo na edição de maio  2023 (nº 338)