AS HEPATITES TÊM CAUSAS, FREQUÊNCIAS E MANIFESTAÇÕES VARIÁVEIS, TAL COMO VARIÁVEIS SÃO OS MÉTODOS DE TRATAMENTO. COMUM A TODAS É A NECESSIDADE DE CONTROLO DOS FATORES DE RISCO E DE ESTABELECIMENTO DE UM DIAGNÓSTICO PRECOCE, COM VISTA A PREVENIR A EVOLUÇÃO PARA CIRROSE OU CANCRO DO FÍGADO.
Artigo da responsabilidade da Drª Joana Nunes, Gastrenterologista; Hospital Beatriz Ângelo, a convite da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia.
Uma hepatite consiste numa inflamação do fígado. Os sintomas são variados, incluindo naúseas, vómitos, dor abdominal, fadiga, fezes claras, urina escura, coloração amarelada da pele e escleróticas. No entanto, é importante referir que na grande maioria dos casos as hepatites são assintomáticas.
O diagnóstico é realizado através de exames laboratoriais que revelam enzimas hepáticas (chamadas transaminases) aumentadas. Este achado, por mais ligeiro que seja, deve determinar de imediato uma investigação.
VARIEDADE DE CAUSAS
Apesar das mais conhecidas serem as hepatites víricas, existe uma variedade de outras causas de hepatite. Existem causas infecciosas (vírus, bactérias e parasitas), causas tóxicos (como o álcool, produtos ditos naturais e medicamentos), causas metabólicas (como o fígado gordo não alcoólico) e causas autoimunes.
Destaco, pela sua importância e frequência, as hepatites víricas e a esteatohepatite não alcoólica, recentemente denominada esteatohepatite associada a doença metabólica.
HEPATITES VÍRICAS
As hepatites víricas são muito frequentes, existindo múltiplos vírus que podem associar-se a um quadro de hepatite: alguns provocam uma doença sistémica que envolve vários orgãos e que pode envolver o fígado, como o citomegalovírus, vírus epstein-barr; outros provocam principalmente doença hepática (vírus hepatotrópicos).
Existem 5 principais vírus hepatotrópicos – também chamados vírus das hepatites: vírus da hepatite A (VHA), B (VHB), C (VHC), D (VHD) e E (VHE).
O VHA e VHE são transmitidos através de consumo de água ou alimentos contaminados e originam, na quase totalidade dos casos, infeções agudas.
INFEÇÕES AGUDAS
A infeção pelo VHA é mais frequente nos países em desenvolvimento, com más condições sanitárias. Contrariamente, a sua prevalência tem vindo a diminuir nos países ditos desenvolvidos. Este facto não é necessariamente vantajoso, uma vez que nas crianças a infeção é maioritariamente assintomática ou com sintomas ligeiros, enquanto que no adulto a hepatite A pode ser grave e, em casos raros, fulminante. A infeção pelo VHA é aguda, autolimitada. Existe vacina disponível.
A infeção pelo VHE tem ganho relevância nos últimos anos. Inicialmente considerada exclusiva de países em desenvolvimento, tem sido cada vez mais diagnosticada nos países desenvolvidos, mesmo na ausência de contexto epidemiológico (nomeadamente viagens a países com elevada prevalência, como a Índia ou o Paquistão). Pensa-se que nos países desenvolvidos o VHE transmite-se principalmente pelo consumo de carne pouco cozinhada de suínos contaminados.
O VHE é, tal como o VHA, uma infeção aguda, embora em alguns casos especiais possa tornar-se crónica (doentes imunodeprimidos, nomeadamente doentes transplantados).
TRANSMISSÃO PARENTÉRICA
Os VHC, VHB e VHD são de transmissão parentérica, isto é, transmissão pelo sangue (mais frequente para o VHC), por via sexual ou transmissão da mãe para o bebé (mais frequente para o VHB). Podem cursar com hepatite aguda ou hepatite crónica.
A transmissão mãe-bebé (chamada transmissão vertical) da hepatite B é a principal via de propagação do vírus nos países em desenvolvimento, onde não existem cuidados pré-natais. Deste modo, em países africanos e do Oriente, muitos bebés nascem com VHB, uma infeção que vai persistir toda a sua vida.
A hepatite C tem sido associada à toxicodependência, no entanto, existem outras formas de adquirir a doença (transfusões sanguíneas anteriores a 1992, tatuagens), incluindo um número significativo de pessoas sem fator de risco identificável.
NECESSIDADE DE ANÁLISES
Estas hepatites víricas crónicas são assintomáticas, na sua grande maioria, durante muitos anos, acabando por se manifestar numa fase em que já progrediram para cirrose ou cancro do fígado.
Deste modo, se não for realizada uma análise de sangue com as enzimas hepáticas e uma serologia viral, o indivíduo pode viver décadas sem saber que está infetado.
É fundamental que, na presença de alteração das análises hepáticas, de fatores de risco e em doentes oriundos de países endémicos, seja realizada a serologia vírica, pelo menos, uma vez na vida.
TRATAMENTOS E VACINAS
A hepatite C tem cura, tendo ocorrido nesta última década uma revolução do seu tratamento, com aparecimento de medicamentos antivíricos potentes, muito eficazes e bem tolerados, com regimes posológicos simples e curtos (2 a 3 meses).
A hepatite B, ao contrário da hepatite C, não tem cura. Existem medicamentos que conseguem inibir a replicação viral, mas não eliminam totalmente o vírus.
Nem todos os doentes com infeção pelo VHB necessitam tratamento, uma vez que, em alguns casos, não existe doença hepática apesar da infeção vírica. Mas é importante referir que existe vacina eficaz disponível para a hepatite B.
A hepatite D ou delta ocorre exclusivamente em doentes com hepatite B, cursando com uma doença mais grave.
FÍGADO GORDO
A esteatohepatite não alcoólica (EHNA) é um tipo de hepatite que ocorre em doentes com fatores de risco metabólicos como a hipertensão arterial (HTA), diabetes mellitus (DM), dislipidemia, obesidade. A acumulação de gordura a nível hepático determina alterações inflamatórias que, em alguns casos, podem levar a fibrose hepática e cirrose.
O diagnóstico deve ser equacionado perante alterações nas análises hepáticas em doentes com evidência imagiológica de fígado gordo. Em alguns países desenvolvidos, a EHNA é já a primeira causa de transplante hepático.
Não existe, atualmente, tratamento específico para esta doença. Medidas de controlo dos fatores de risco acima mencionados, incluindo perda de peso, exercício, medicamentos para controlo adequado da HTA, DM e dislipidemia, já demonstraram ser úteis para impedir a progressão da doença.
Leia o artigo completo na edição de setembro 2020 (nº 308)
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