O futuro da gestão da estenose aórtica é promissor. Com a deteção precoce, opções de tratamento avançadas e cuidados personalizados, é possível transformar esta condição numa doença tratável.
Artigo da responsabilidade do Dr. Rui Campante Teles. Coordenador nacional da iniciativa Valve For Life/Corações de Amanhã, da APIC – Associação Portuguesa de Intervenção Cardiovascular
Cerca de um em cada 15 portugueses com mais de 80 anos é diagnosticado com estenose aórtica, uma das doenças cardíacas mais comuns na população idosa. Esta condição afeta principalmente os homens e é responsável por um impacto significativo na qualidade de vida e na sobrevivência, sobretudo quando não é identificada nem tratada de forma atempada. Embora a prevalência global seja estimada em cerca de 5%, este número cresce de forma exponencial com o envelhecimento da população, refletindo o aumento das doenças degenerativas e das condições cardiovasculares associadas à idade.
DOENÇA PROGRESSIVA E POTENCIALMENTE FATAL
A estenose valvular aórtica é uma doença progressiva e potencialmente fatal, caracterizada pela incapacidade de a válvula aórtica abrir completamente. Este estreitamento da válvula compromete o fluxo de sangue do coração para o corpo, causando sobrecarga no ventrículo esquerdo, que é forçado a trabalhar mais intensamente.
Inicialmente, o coração adapta-se através de um processo conhecido como hipertrofia ventricular, mas, à medida que a doença avança, esta adaptação torna-se insuficiente, conduzindo a insuficiência cardíaca e, em muitos casos, à morte prematura.
Entre as causas mais comuns da estenose aórtica encontra-se o envelhecimento, que leva à calcificação progressiva das cúspides da válvula. Este processo degenerativo resulta da acumulação de depósitos de cálcio ao longo dos anos, sem causas específicas.
Há situações, em pessoas mais jovens, em que há uma anomalia congénita, a válvula aórtica bicúspide, que apresenta dois em vez de três folhetos e que afeta cerca de 1-2% da população portuguesa. Além destas, certas condições inflamatórias, como febre reumática, podem causar danos na válvula, aumentando o risco de estenose em idades mais precoces.
DOS SINTOMAS AO DIAGNÓSTICO
Os sintomas da estenose aórtica podem variar em função da gravidade da doença e incluem angina (dor no peito), falta de ar durante atividades físicas, desmaios (síncope) e cansaço extremo. Em fases mais avançadas, os doentes podem apresentar sinais de insuficiência cardíaca, como edema (inchaço) nos membros inferiores, falta de ar em repouso e dificuldade em dormir. Estes sintomas têm um impacto profundo na qualidade de vida, limitando a capacidade de realizar atividades diárias e aumentando a dependência de terceiros.
Embora a estenose aórtica seja uma doença grave, muitas vezes os seus sintomas são atribuídos ao envelhecimento, o que leva a atrasos no diagnóstico. A deteção precoce é essencial para melhorar o prognóstico e oferecer opções de tratamento antes que ocorram danos irreversíveis.
O diagnóstico começa geralmente com um exame físico, onde a auscultação pode detetar sopros cardíacos característicos de obstrução valvular. No entanto, o diagnóstico definitivo exige exames de imagem, sendo o ecocardiograma o método de eleição. Este exame não invasivo permite avaliar a estrutura e função da válvula, medir a gravidade da estenose e determinar a necessidade de intervenção.
Em casos mais complexos, exames adicionais, como a tomografia computorizada (TAC) ou a ressonância magnética, podem ser necessários para fornecer informações detalhadas sobre a anatomia da válvula e o impacto da doença no coração. Além disso, os testes de esforço podem ser úteis para avaliar a capacidade funcional do doente e identificar sintomas que possam não ser aparentes em repouso.
SIGNIFICATIVA EVOLUÇÃO NO TRATAMENTO
O tratamento da estenose aórtica evoluiu significativamente nas últimas décadas, com avanços que transformaram o prognóstico desta doença. Em casos ligeiros ou moderados, o acompanhamento regular é fundamental para acompanhar a progressão acelerada da doença. No entanto, nos casos graves, a substituição da válvula aórtica é indispensável para prevenir complicações fatais.
Atualmente, com o avanço das tecnologias médicas, o implante da válvula aórtica através de cateterismo (TAVI), é a técnica de eleição mais frequente. A TAVI é um procedimento minimamente invasivo que permite substituir a válvula danificada através de um cateter inserido numa artéria, normalmente na virilha. Esta técnica elimina a necessidade de cirurgia aberta e é particularmente indicada para doentes idosos ou com elevado risco cirúrgico. A cirurgia cardíaca aberta era, até há duas décadas anos, a única opção, envolvendo a abertura do tórax e a paragem temporária do coração. Permanece uma solução eficaz em muitos doentes, especialmente os mais jovens e sem comorbilidades significativas.
Em 2025, dispomos de vários estudos que evidenciam que a TAVI é tão eficaz quanto a cirurgia convencional em termos de sobrevivência, além de oferecer uma recuperação mais rápida e menor risco de complicações. Além da TAVI, o progresso técnico também melhorou as abordagens cirúrgicas tradicionais, com o desenvolvimento de técnicas minimamente invasivas que reduzem o tempo de recuperação e os riscos associados. A escolha entre estas opções depende de uma avaliação cuidadosa, realizada por uma equipa multidisciplinar.
Para além das opções de tratamento existentes, a investigação continua a avançar, com foco em outras válvulas e dispositivos cada vez mais duradouros.
Leia o dossier completo na edição de fevereiro 2025 (nº 357)
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