Artigo da responsabilidade da Dra. Bruna Moreira, Investigadora no Departamento de I&D da Crioestaminal
As células estaminais permitem a reparação de tecidos danificados e a substituição das células que vão morrendo, podendo, por isso, revelar-se uma ferramenta muito útil em medicina regenerativa e desempenhar um papel importante no tratamento de várias doenças. É possível obter células estaminais a partir de vários tecidos, como a medula óssea, o sangue e o tecido do cordão umbilical e o tecido adiposo.
A investigação científica com células estaminais tem evoluído consideravelmente ao longo dos anos, e vários grupos de investigação têm obtido resultados promissores, que indicam que a utilização de células estaminais pode tornar-se uma opção terapêutica para várias doenças atualmente sem tratamento eficaz e alargando, assim, as suas aplicações clínicas.
Considerado uma fonte de células estaminais alternativa à medula óssea, o sangue do cordão umbilical apresenta algumas vantagens importantes em caso de transplantação, nomeadamente o facto de ser possível armazená-lo, estando imediatamente disponível em caso de necessidade. Outras vantagens são a colheita fácil e indolor, feita no momento do parto, a maior tolerância nos fatores de compatibilidade HLA, e o menor risco de desenvolver doença do enxerto contra o hospedeiro, uma complicação potencialmente fatal dos transplantes.
As células estaminais do sangue do cordão umbilical apresentam inúmeras aplicações terapêuticas, sendo, atualmente, utilizadas no tratamento de mais de 80 doenças, que incluem doenças do sangue (como leucemias, linfomas e alguns tipos de anemias), do sistema imunitário, e várias doenças metabólicas, tendo já sido realizados mais de 45.000 transplantes com sangue do cordão umbilical em todo o mundo. A sua utilização encontra-se em estudo, em ensaios clínicos, para doenças como paralisia cerebral, autismo, perda auditiva, diabetes tipo 1, lesões da espinal medula, entre outras, o que poderá, futuramente, aumentar o leque de aplicações clínicas do sangue do cordão umbilical.
Verifica-se que grande parte dos transplantes de sangue do cordão umbilical são em contexto alogénico, isto é, utilizando um dador que não o próprio doente. O primeiro transplante de sangue do cordão umbilical, em Portugal, foi realizado em 1994, no IPO de Lisboa: uma menina de 4 anos com leucemia mieloide crónica foi tratada utilizando a amostra de sangue do cordão umbilical de um irmão compatível.
A possibilidade das próprias células estarem guardadas permite que o doente possa vir a recorrer a um transplante autólogo – com as células do próprio indivíduo – não se levantando, neste caso, qualquer questão relativamente à compatibilidade. Neste contexto, já foram tratadas também diversas doenças, como por exemplo anemia aplástica adquirida, determinados tipos de tumores sólidos, leucemia mieloide aguda, entre outras.
Atualmente, decorrem mais de 400 ensaios clínicos em todo o mundo, com o objetivo de compreender se as células estaminais do sangue do cordão umbilical podem ser uma mais-valia no tratamento de doenças que atualmente não dispõem de uma opção terapêutica eficaz. É disso exemplo o tratamento de paralisia cerebral e autismo em crianças, infundidas com o seu próprio sangue do cordão umbilical, associado a melhorias nos sintomas de ambas as doenças.
Joanne Kurtzberg: pioneira na utilização de células estaminais
Joanne Kurtzberg, hemato-oncologista pediátrica e pioneira na utilização de células estaminais do sangue do cordão umbilical em Medicina Regenerativa, visitou Portugal pela primeira vez para participar na Reunião da Primavera da Sociedade Portuguesa de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal (SPOMMF), tendo passado pela Crioestaminal, laboratório associado da Cord Blood Association. Como resultado do seu trabalho e investigação ao longo dos anos, a FDA autorizou o tratamento de crianças com diferentes tipos de distúrbios neurológicos, como o autismo e paralisia cerebral, com recurso a sangue do cordão umbilical autólogo (do próprio) ou de um irmão compatível. Há, inclusive, casos de crianças portuguesas tratadas pela Dra. Kurtzberg com células estaminais guardadas na Crioestaminal, a última delas em setembro de 2018, no âmbito de uma perturbação do espectro do autismo.
Artigo publicado na edição de maio 2019 (nº 294)
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