Mais de 400 anos de vida foram perdidos por morte prematura ou incapacidade devido à atrofia muscular espinhal (AME) em Portugal, segundo os resultados de um estudo referente a dados de 2019 apresentado no sábado passado, 7 de maio, em Lisboa.
O “Estudo do Impacto Socioeconómico da AME em Portugal” foi desenvolvido pelo Centro de Estudos de Medicina Baseada na Evidência da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
A análise conclui que dos 403 anos de vida perdidos, 86% se deveram a mortalidade prematura (mais de 340 anos) e 14% a incapacidade.
Em termos individuais, a carga da atrofia muscular espinhal é muito significativa, o que se reflete igualmente nos anos de vida perdidos por cada doente. A título de exemplo, uma criança com AME tipo 1 vive, em média, o equivalente a 4,8 meses sem incapacidade num ano de vida.
O estudo concluiu que a prevalência da AME em Portugal foi estimada, segundo os dados de 2019, em 147 doentes: 18 com tipo 1, 46 com tipo 2 e 83 com tipo 3.
Três tipos principais
A AME é usualmente classificada em três tipos principais, baseados sobretudo na idade em que surgem os primeiros sintomas:
- o tipo 1 desenvolve-se em bebés com menos de seis meses;
- o tipo 2 manifesta-se em crianças dos seis aos 18 meses; e
- o tipo 3 pode não ser evidente até à infância tardia ou adolescência.
O mesmo estudo, apresentado na Conferência “Cuidar em Sociedade na Atrofia Muscular Espinhal”, demonstra ainda que o impacto económico da doença é significativo, apesar da sua reduzida prevalência.
Um doente com AME representa um custo total de 114 mil euros por ano. O custo global de tratar a doença em Portugal foi, em 2019, de 16,8 milhões de euros, sendo que 42% desse valor correspondeu à forma mais grave da doença (o tipo 1).
Do total de quase 17 milhões, há 1,6 milhões que correspondem a custos diretos não médicos, como dispositivos de apoio, adaptações ao domicílio, apoios sociais ou cuidadores informais.
Ainda assim, comparando com outros países, e excluindo o custo das terapêuticas modificadoras da história natural da doença, o custo anual médio por doente em Portugal é um terço do custo na Alemanha e 17% do custo em Espanha, por exemplo.
O estudo foi realizado em 2020/ 2021, mas reflete dados de 2019. Naturalmente, a realidade é dinâmica e os números atuais serão diferentes, tanto no número de doentes como no impacto do custo económico da doença.
ESTUDO ETNOGRÁFICO
Da Odisseia do Diagnóstico ao Desconhecimento Generalizado
Um outro estudo foi igualmente apresentado na Conferência “Cuidar em Sociedade na AME”, fruto do acompanhamento diário feito a várias famílias portuguesas que convivem com a atrofia muscular espinhal.
Esta análise resultou, por exemplo, de entrevistas a portadores de AME, conversas com familiares e cuidadores, entrevistas a médicos, cuidadores informais ou associações de doentes, com o objetivo de acompanhar o mais de perto possível a vivência das pessoas com AME.
Deste acompanhamento, resultaram várias conclusões essenciais para se compreender o caminho da AME:
- Diagnóstico – Há graves atrasos no diagnóstico: a falta de conhecimento sobre os sinais da doença resulta na dificuldade em chegar a um diagnóstico. A importância do diagnóstico precoce é salientada, sendo visto como a única forma de minimizar o impacto da doença;
- Doença e Individualidade – Cada caso é um caso. A informação e características usadas para definir atualmente os tipos da doença não são suficientes para ilustrar a diversidade de situações e necessidades dos doentes. Isto traz imensos problemas no momento do diagnóstico e tratamento, pela dificuldade em definir e atender às necessidades reais e específicas de cada doente;
- Doença e Cansaço – Como consequência da fraqueza muscular causada pela AME, o cansaço é um fator determinante para gerir a doença e a vida. O cansaço afeta a forma como se tomam decisões e se gerem as atividades do dia a dia. Pode levar a que os doentes tenham de abdicar de atividades para que possam fazer outras;
- Serviços – Os serviços não estão desenhados para resolver ativamente os problemas dos doentes e das famílias. Há um claro excesso de passividade, uma falta de acompanhamento e de intervenção ativa no ecossistema da AME. Os serviços existem, mas têm graves problemas de eficácia quando são requisitados. Há excesso de burocracia, tornando os processos lentos, uma lentidão que pode ter consequências desastrosas no contexto da doença, como por exemplo a dificuldade de aceder a uma cadeira de rodas;
- Estereótipo – Um dos grandes entraves ao desenvolvimento e estímulo dos portadores de AME é a postura limitadora da sociedade em geral, incluindo da própria comunidade de apoio. Um exemplo destas limitações é a atitude sexista e paternalista das famílias para com a sexualidade e a parentalidade destes doentes, principalmente relacionado às doentes mulheres. O desconhecimento geral acerca da doença, que existe na sociedade, faz com que muitas vezes se assuma que as capacidades intelectuais dos doentes também são limitadas.