As suas crianças utilizam tecnologia (smartphone, tablet, televisão) quando estão à mesa em família? Essas situações são mais recorrentes em casa ou nos restaurantes?

Artigo da responsabilidade da Dra. Marta Torres, psicóloga clínica

 

Convido-o a refletir sobre este fenómeno. Partindo do princípio de que até aos 2 anos, o uso das tecnologias deve ser inexistente. Coloco dois cenários que possivelmente levam os pais a recorrer à tecnologia na hora das refeições: o primeiro prende-se com a intenção de distrair a criança quando a mesma refere que não quer comer. Se lhe oferecerem um dispositivo tecnológico que seja do seu agrado, a mesma irá mais facilmente ingerir quantidades de comida que serão as adequadas do ponto de vista dos pais. Note que é importante que nos casos de seletividade alimentar, se procure a causa e se atue no problema e não se recorra à tecnologia para “resolver” esta situação. O segundo cenário refere-se à utilização das tecnologias para conseguir que a criança fique durante o período inteiro da refeição dos adultos à mesa, mesmo depois de terminar de se alimentar. Se a criança estiver entretida com uma tecnologia, não irá perturbar o jantar dos familiares, amigos ou até clientes no caso de um restaurante.

Haverá consequências da utilização da tecnologia às refeições?

Claramente que sim. Há consequências ao nível da própria alimentação e da interação social. Assim, a tecnologia às refeições:

1. Impede que se estabeleça uma relação saudável com os alimentos. Na introdução alimentar das crianças, é fundamental que as mesmas explorem, manuseiem e percecionem as formas, texturas, cores e sabores dos alimentos. Pelo que, se a criança se distrair com tecnologia, este processo fica comprometido.

2. Dificulta a interpretação dos sinais de saciedade e fome. Se a criança estiver entretida com a tecnologia, não irá conseguir interpretar se já está saciada ou se ainda tem fome, pois está a alimentar-se de forma mecânica e sem se aperceber das indicações que o corpo lhe vai dando. A longo prazo, a ingestão de quantidades superiores de alimentos poderá contribuir para a obesidade.

3. Altera os ritmos naturais da ingestão de alimentos. Quando as crianças estão focadas num dispositivo tecnológico tendem a acelerar ou abrandar, sem controlo, a velocidade com que se estão a alimentar.

4. Limita a interação social. As refeições deverão ser encaradas como momentos de partilha. Por essa razão, os pais devem promover o diálogo e a interação com os filhos para que a alimentação não seja um momento de obrigação, mas sim um momento prazeroso. Se a utilização de tecnologia não for repensada, a longo prazo, os laços familiares poderão tornar-se frágeis e desestruturados.

Não torne a alimentação um ato irrefletido, mecânico e sem a participação das crianças. Não deseje que os momentos de refeição sejam silenciosos, com as crianças super quietas e bem-comportadas. Pretenda sim, promover um momento de convívio, comunicação, aprendizagem e afetos.

Como estimular em casa refeições agradáveis sem recurso à tecnologia?

Existem algumas estratégias que podem adotar para proporcionar refeições em família agradáveis diariamente. Em primeiro lugar, limitar o tempo das refeições. A ideia de que as crianças conseguem estar 1 hora sentadas à mesa sem quererem sair é utópica. Em segundo lugar, oferecer alimentos apelativos, com cores, texturas e formas diferentes, para que a criança se sinta entusiasmada para os explorar e provar.

Utilize os momentos de refeição para conversar, para dinamizar conversas com tópicos interessantes e que estimulem a atenção da criança e despertem a sua vontade de estar presente e participar na mesma. Esqueça a pergunta “Como correu a escola?”, pergunte antes o que mais gostou, o que menos gostou, o que gostaria de fazer no fim de semana.

Se a criança estiver habituada a utilizar a tecnologia e o seu objetivo for retirá-la, lembre-se que é natural que haja protestos e que a mesma não adote o novo comportamento de forma imediata. Pode sugerir-lhe para colocar a tecnologia numa caixa previamente pintada e decorada por ela, com post-its com frases que explicam o porquê da tecnologia deixar de ser utilizada à mesa. Pode sempre utilizar essa nova implementação para fazer um jogo em que define que a criança que não conseguir estar a refeição inteira sem pedir para utilizar a tecnologia tem de lavar a loiça durante cinco dias seguidos. Por outro lado, a criança que conseguir estar a totalidade da refeição sem pedir para utilizar a tecnologia terá uma recompensa.

Estas mudanças só vão resultar se os pais derem o exemplo, assim sendo, os telemóveis dos pais também não são permitidos à mesa. Diga à sua criança que também se tem esforçado para não utilizar a tecnologia às refeições e que o que mais aprecia é quando estão todos a conversar em família.

Como estimular fora de casa refeições agradáveis sem recurso à tecnologia?

É natural que as crianças fiquem mais agitadas e impacientes nas refeições fora de casa, quer sejam em restaurantes, casa de amigos ou familiares. Existem muitos estímulos, barulho, imensas pessoas, os tempos de espera para iniciar e terminar as refeições são maiores e isso condiciona a calma e tranquilidade das mesmas.

Para que a refeição decorra sem o recurso à tecnologia, terão de ser oferecidas à criança outras alternativas. Sugiro que os pais levem lápis e cadernos para pintar, livros para ler, peças de lego, brinquedos pequenos. Podem sempre riscar a toalha de papel ou fazer jogos na mesma ou ainda construir origamis com os guardanapos.

O importante é que, antes ou depois da refeição, a criança esteja a receber a atenção do adulto e que este esteja atento às suas necessidades. Sabe-se que a criança permanece mais tempo envolvida na tarefa de forma concentrada se tiverem ativos os sentidos como a visão, audição e tato. Se recorrermos a um dispositivo tecnológico, não ativamos o olfato, pois o mesmo não tem cheiro, não ativamos o tato pois não existem texturas diferentes, não conseguimos percecionar tamanhos e formas, apenas estamos a olhar para um conjunto de imagens que se reproduzem aceleradamente.

No entanto, estas atividades alternativas à tecnologia não devem ser oferecidas quando a comida chega à mesa, pois nessa altura o foco é a alimentação com intenção e não pintar um livro enquanto alguém dá a sopa à boca.

Quais os benefícios para a não utilização das tecnologias às refeições?

Os pais são os primeiros educadores nutricionais, isto é, são responsáveis pela formação do comportamento alimentar na infância, através da aprendizagem social. Desta forma, as experiências alimentares da criança desde o momento do seu nascimento são influenciadas pelos fatores culturais e psicossociais da família. O comportamento alimentar da criança é formado através da socialização, pelo que o contexto social onde as refeições ocorrem é determinante para a aprendizagem alimentar. Os pais, irmãos e amigos servem de modelo para que a criança adote um determinado comportamento à mesa e defina os seus padrões e preferências alimentares baseando-se na oferta de alimentos disponibilizados.

Em suma, as refeições devem ser um espaço privilegiado para as famílias dialogarem, relaxarem e usufruírem da companhia uns dos outros. As tecnologias permitem-nos explorar imagens ou conteúdos, obter informações e conhecer características, no entanto, às refeições, o objetivo primordial é a conexão com o mundo real, só esse permite que a criança usufrua de experiências sinestésicas como o ouvir, ver, tocar e sentir que são vitais para o seu desenvolvimento e aquisição de competências ao nível da comunicação, linguagem e fala.

Para que exista um tempo de qualidade em família, os pais deverão propor aos seus filhos uma dieta digital, em que o intuito é a eliminação da tecnologia às refeições, beneficiando a interação social, essencial para a saúde física e bem-estar emocional da criança.