Embora tenhamos “excelentes relações” com alguns gérmenes, como os que vivem na nossa pele, boca e intestinos, para a maioria dos restantes órgãos a presença de microrganismos altera o seu funcionamento, produzindo doenças. A situação pode tornar-se especialmente grave quando os gérmenes se encontram no sangue, uma vez que, deste modo, têm acesso a todo o corpo: então, falamos de uma septicemia.

 

O termo septicemia, como tantos outros termos médicos, provém do Grego e significa literalmente “corrupção do sangue”. Encontramo-nos, pois, perante uma septicemia quando existe algum gérmen vivo na corrente circulatória. Podemos ser mais precisos e falar de viremia, funguemia ou bacteriemia, se o dito gérmen é um vírus, um fungo ou uma bactéria, respetivamente. Como este último é, destacadamente, o mais grave e frequente, quando os médicos empregam o termo septicemia, geralmente referem-se a uma bacteriemia.

A presença transitória de bactérias no sangue não é invulgar. Pode ocorrer cada vez que, por exemplo, vamos ao dentista; e, quando manipulamos um simples furúnculo, alguns gérmenes aí existentes vão para ao sangue. Felizmente, são destruídos de imediato e a situação não dura mais do que 10 ou 15 minutos: é o que se designa por uma bacteriemia transitória.

SISTEMA DE DEFESA

O organismo humano dispõe de um excelente sistema de defesa contra os gérmenes. Este sistema imunitário é constituído por uma primeira barreira protetora, a qual está em contacto com o exterior: a pele, a boca, os pulmões, o trato digestivo e o sistema genitourinário. Aí, a integridade da pele, das mucosas e das imunoglobulinas impedem a progressão dos gérmenes.

Quando estes conseguem infiltrar-se, forma-se uma nova barreira de contenção, constituída pela afluência massiva de um tipo de glóbulos brancos, os neutrófilos, que tentam limitar a infeção. Na pele, formam-se, então, as típicas lesões com pus e noutros órgãos a infeção adota características especiais, como no pulmão – pneumonia – ou na bexiga – cistite.

TERCEIRO MECANISMO

Não obstante todos estes mecanismos defensivos, ocasionalmente, os gérmenes conseguem passar e chegar vivos ao sangue. Isto sucede com mais facilidade em pessoas que dispõem de menos defesas – como os doentes oncológicos, com SIDA, diabetes, etc.; ou mesmo em qualquer pessoa, no caso de gérmenes mais agressivos. Os microrganismos invasores podem reproduzir-se no sangue e os neutrófilos mostram-se incapazes de acabar com eles. Para fazer frente a este contratempo existe, no entanto, um terceiro mecanismo defensivo: produzem-se umas substâncias, as imunoglobulinas, que se encarregam de “marcar” os gérmenes. Assim, quando o sangue passa pelo fígado e pelo baço, outro tipo de glóbulos brancos, os monócitos – macrófagos –, que se acumulam nestes órgãos, “capturam” os gérmenes marcados e destroem-nos. Obviamente, todo este processo pode levar algum tempo.

AMEAÇA REAL

Poder-se-ia perguntar por que razão uma septicemia é considerada tão perigosa e grave se existem todas estas defesas. Quando a bacteriemia é transitória, em princípio, não deve haver problemas; mas, se se repete ou persiste, o gérmen pode estender-se com facilidade a todo o organismo, dado que o sangue irriga todos os órgãos, não estando nenhum deles a salvo do risco de ser infetado. Nestas condições, até o coração e vasos sanguíneos, dois elementos de vital importância para o organismo, estão ameaçados e podem sofrer, respetivamente, uma endocardite ou uma tromboflebite séptica. É este carácter de infeção generalizada que confere à septicemia a sua gravidade.

Por outro lado, os gérmenes, tanto os vivos como os já destruídos, produzem uma série de toxinas, as quais causam, por seu lado, uma doença grave, cuja manifestação mais extrema dá pelo nome de choque séptico. Este tipo de choque é quase sempre mortal, se não for tratado atempadamente; inclusive, com o melhor tratamento hospitalar, cerca de 30 a 40 % dos afetados morrem em consequência desta patologia. O choque séptico é, por conseguinte, uma situação extremamente grave.

FEBRE E TREMORES

Como já referimos, para que o organismo sofra uma septicemia tem de existir uma porta de entrada do gérmen no sangue. Os pulmões e as vias urinárias são as mais frequentes, embora uma infeção em qualquer outro órgão ou zona possa determinar o princípio da doença.

Por outro lado, quando rompemos as defesas por qualquer razão – ao colocar uma sonda, uma agulha intravenosa, etc. –, os gérmenes podem entrar diretamente. Este facto explica a frequência com que esta perturbação se produz nos hospitais, uma ocorrência grave se tivermos em conta a lógica debilidade dos doentes hospitalizados.

Depois do gérmen entrar no sangue, o organismo necessita entre 30 e 60 minutos para começar a mobilizar as suas defesas contra o “invasor”. Estas defesas incluem a libertação de substâncias que produzem febre, o que facilita a luta contra os microrganismos. Neste momento, o afetado sente calafrios e um enorme tremor; a febre começa a subir, a pele fica vermelha, o coração acelera-se e começa a suar. A febre pode oscilar bastante, subindo rapidamente até aos 40 graus, para baixar pouco depois, inclusivamente até desaparecer, reaparecendo pouco tempo depois.

Se não se consegue limpar o sangue do gérmen invasor, o doente irá sentir-se cada vez pior. A toxina produz estragos no sistema cardiovascular, o coração começa a perder força para bombear o sangue e os vasos sanguíneos ficam relaxados, deixando escapar o líquido para os tecidos, diminuindo, deste modo, a quantidade de sangue disponível.

O doente, que sentirá suores frios, ficará cada vez mais pálido e imóvel, ao mesmo tempo que a sua tensão arterial baixará. Os rins deixam de receber sangue e de produzir urina. O pulso e a respiração aceleram-se, numa tentativa de fazer chegar o oxigénio necessário aos tecidos. A coagulação também ficará alterada, produzindo coágulos que dificultam, progressivamente, a irrigação de outros órgãos. Em resumo, todos os componentes vitais do organismo – coração e sistema circulatório, pulmões, cérebro, rins, etc. – sofrem as consequências da infeção. Quando se chega a esta fase, a mortalidade é muito elevada, já que alguns destes fenómenos tornam-se irreversíveis, ao fim de algum tempo.

Pode fazer-se alguma coisa?

Quando falamos de uma doença tão séria, é evidente que a primeira atitude deve ser tentar preveni-la. Isto é difícil, mas pode fazer-se, se se tratarem atempadamente as infeções causadoras ou se se melhorar o grau de esterilidade dos procedimentos diagnósticos e terapêuticos. Nalguns casos, quando se manipulam zonas do corpo que contêm gérmenes, é necessário administrar antibióticos profiláticos, antes da manipulação. Também há que levar ao extremo os cuidados e instaurar o tratamento o mais cedo possível nos doentes predispostos, por exemplo, naqueles que estão a receber quimioterapia para tratar um cancro.

Uma septicemia contínua é um motivo de hospitalização urgente e a situação de choque séptico pode exigir o ingresso numa unidade de cuidados intensivos. O tratamento é complexo, consistindo em repor os líquidos perdidos, ajudar a oxigenação e a ventilação –  inclusivamente com ventilação assistida –, fortalecer o coração, evitar que se danifiquem os rins e administrar antibióticos adequados, o mais cedo possível.

 

Barreiras defensivas face à infeção

INTEGRIDADE DA PELE E DAS MUCOSAS

A pele e as mucosas que cobrem as cavidades internas constituem uma primeira barreira, que evita a passagem de gérmenes para o interior.

VASODILATAÇÃO

Quando os micróbios atravessam a pele, diretamente ou através de uma ferida, o primeiro mecanismo de defesa é o afluxo imediato de sangue, para o qual os vasos se dilatam.

NEUTRÓFILOS

Transportado pelo sangue, chega um tipo de glóbulos brancos – os neutrófilos –, capazes de “comerem” as bactérias. Existem, além disso, outras células que ajudam nesta luta de destruição do “invasor”

ABCESSO

Se se consegue limitar a infeção, os gérmenes mortos e os neutrófilos ficam numa zona central, “separados” do resto por uma crosta de cicatrização. Formam o pus, que acaba saindo para o exterior, isto é, drenando-se. Deste modo, o gérmen não chega a penetrar no corpo.

INVASÃO

Ocasionalmente, devido à manipulação do abcesso ou porque falha uma barreira defensiva ou, ainda, porque o gérmen é muito agressivo, este entra no sangue através dos capilares dilatados e produz-se a septicemia.

 

Que gérmenes produzem a septicemia?

São muito numerosas as bactérias que podem provocar uma septicemia. Cada uma delas tem uma origem diferente e o quadro clínico também apresenta variações entre umas e outras.

Uma classificação já clássica em Medicina é a que se baseia na técnica idealizada pelo holandês Hanz Christian Joachim Gram. Fazendo uso dela, podem distinguir-se dois grandes grupos de bactérias: as gram-positivas e as gram-negativas. As bactérias gram-positivas que podem produzir septicemia são o estafilococo aureus e o albus, o enterococo e o estreptococo. São menos frequentes fora do hospital, mas quase tão frequentes como as gram-negativas no meio hospitalar, já que se encontram na pele de toda a gente e apresentam uma especial  predisposição para viver sobre qualquer elemento protésico, desde uma via venosa até uma prótese cardíaca.

As bactérias gram-negativas são as mais comuns nas infeções adquiridas fora do hospital e, também, as que produzem, com mais frequência, o choque séptico. Entre elas, destaca-se a Escherichia coli, a Pseudomonas aeruginosa e outras enterobactérias.

Há que mencionar, por último, as infeções causadas pela ação de vários gérmenes simultaneamente – polibacterianas –, um facto que se dá cada vez com maior frequência.