Poderá uma câmara fotográfica automática portátil, que capta imagens do dia a dia, ajudar a atrasar a manifestação clínica da doença de Alzheimer, a forma mais comum de demência? Um estudo recente afirma que sim!

Um estudo realizado por uma equipa de investigadores das Universidades de Coimbra (UC) e Leeds (Reino Unido), entre 2011 e 2016, intitulado “Estimulação da memória na Doença de Alzheimer em fase inicial. O papel da SenseCam no funcionamento cognitivo e no bem-estar”, revela que uma câmara fotográfica automática portátil pode, de facto, ajudar a atrasar a manifestação clínica desta patologia. E mais: recomenda o uso deste método como complemento ao tratamento farmacológico da doença.

Partindo de estudos anteriores, onde é evidenciado que a visualização de imagens estimula as zonas do cérebro responsáveis pelas memórias autobiográficas (lobo temporal medial – hipocampo e áreas para-hipocampais), das primeiras a deteriorarem-se na doença de Alzheimer, os investigadores quiseram estudar a eficácia da utilização da SenseCam, como ferramenta de estimulação cognitiva, na fase inicial da doença.

FASES DO PROJETO

Numa primeira fase do projeto, financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e liderado por investigadores das Faculdades de Psicologia e de Ciências da Educação (FPCEUC) e Ciências e Tecnologia (FCTUC, Departamento de Engenharia Informática) da UC, a equipa realizou um estudo piloto com um grupo de 15 jovens e 14 idosos, todos saudáveis, para explorar os efeitos da SenseCam em testes de cognição global e analisar em que medida este instrumento poderia ser útil para os pacientes com doença de Alzheimer.

Identificadas as potencialidade do método no funcionamento cognitivo global, os investigadores avançaram, então, para o estudo principal com 51 idosos, na sua maioria mulheres, diagnosticados com doença de Alzheimer em fase inicial, seguidos nos Serviços de Psiquiatria (consulta de Gerontopsiquiatria) e de Neurologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) e também na Associação Alzheimer Portugal.

Os idosos, com idades compreendidas entre os 60 e 80 anos de idade, foram divididos em três grupos e sujeitos a estratégias de estimulação cognitiva diferentes, durante seis semanas: um grupo foi intervencionado com o uso da SenseCam, que captou imagens quotidianas vivenciadas pelos pacientes; outro com um treino convencional ativo (exercícios como memorização de listas de compras, associação faces-nomes, etc.); e o terceiro grupo registou o seu dia a dia num diário.

CONCLUSÕES

No final das seis semanas, os investigadores observaram que a intervenção baseada na SenseCam “foi mais eficaz no desempenho cognitivo, comparativamente com o programa de treino cognitivo ativo e com o diário escrito”, afirma Ana Rita Silva, investigadora principal do estudo, cujos resultados já foram aceites para publicação na revista internacional Current Alzheimer Research.

A investigação demonstrou, também, que este método de ajuda passiva, já que não implica esforço ou motivação por parte do paciente (basta colocar a câmara ao pescoço), “aumenta o bem-estar geral do paciente e diminui a sintomatologia depressiva que afeta cerca de 40% de doentes com Alzheimer na fase inicial. Ao fim de seis semanas de intervenção, o grupo que utilizou a SenseCam foi o que apresentou maior redução da sintomatologia depressiva”, observa a investigadora da UC.

As conclusões deste estudo, do qual resultou a Tese de Doutoramento de Ana Rita Silva, “reforçam a importância do desenvolvimento de intervenções não farmacológicas para pacientes com doença de Alzheimer em fase inicial”, porque, defende a investigadora, “embora a primeira linha de atuação nesta doença, após o diagnóstico, seja o tratamento farmacológico, há um consenso crescente relativamente à urgência de complementar esta atuação com a implementação de intervenções não farmacológicas, de modo a reduzir o impacto da doença”.

Artigo publicado na edição de novembro 2017 (nº 277)