A pele é órgão complexo. Cada um de nós, seres humanos, começa e acaba na pele, é aí a barreira entre o eu e não eu.

 

Artigo da responsabilidade do Dr. Miguel Peres Correia, presidente da Sociedade Portuguesa de Dermatologia e Venereologia

 

É através da pele que nos relacionamos com o mundo e com os outros, as carícias de nossos pais, a mão dada (pele com pele) com aqueles que amamos, são estímulos que nenhum de nós esquece, que nos definem.

No momento mais dramático da existência de cada um de nós, a morte, é universalmente considerado fonte de conforto o contacto pele com pele através da mão de outro ser humano dada à mão do moribundo.

Por outro lado, a nossa aparência é profundamente marcada pelo revestimento cutâneo. O aspeto jovem ou idoso, o ter bom cabelo, as rugas e as manchas, são aspetos fundamentais na nossa aparência e, por força de razão, na autoimagem e autoestima.

E não esqueçamos que o tecido celular subcutâneo, a gordura, é pele. Ser gordo ou magro tem a ver com a camada mais profunda da pele.

Primeira linha de defesa

A localização na fronteira externa do corpo coloca a pele na primeira linha de defesa, por isso, não é de estranhar que infeções de diferente natureza, bem como neoplasias, sejam problemas dermatológicos frequentes.

O equilíbrio endócrino e imunitário geral do organismo é condicionado por moléculas produzidas ou modificadas na pele, na hipoderme, é verdade, mas também na própria epiderme.

Estes diferentes aspetos intrínsecos às funções da pele, junto com a diversidade de patologias que a afetam, estima-se que ultrapasse as 3 mil diferentes doenças, assegurando que a Dermatologia seja uma especialidade fascinante.

Especialidade diversificada

Por isso, nas últimas décadas, esta é a especialidade habitualmente escolhida pelos melhor classificados nas provas para ingresso na especialidade, em Portugal e em diversos outros países.

É uma especialidade muito diversificada, que permite que o médico que por ela opte se dedique a temas muito específicos, desde a histopatologia cutânea, à oncologia, passando pela cirurgia ou pela dermatologia cosmética.

As doenças de transmissão sexual, Venereologia, são tema de saúde pública de importância crescente e definem o nome da especialidade que, na verdade, se denomina Dermatologia e Venereologia.

Embora o domínio de nichos específicos de conhecimento atraia alguns especialistas, a maioria prefere dedicar-se à dermatologia geral.

A sua prática permite integrar as alterações cutâneas específicas de cada doente no organismo como um todo, físico e psicológico, funcionando o dermatologista como aquele que decifra o significado das modificações da pele no contexto holístico de saúde.

Evolução e novas ameaças

A prática da Dermatologia tem vivido uma revolução extraordinária nos últimos anos.

É o doente de psoríase que vê a pele normalizar, o indivíduo com melanoma disseminado cuja vida afinal se salva, o adolescente cujas borbulhas são tratadas, as rugas e outras marcas do tempo suavizadas.

Adivinha-se tratamento para as doenças genéticas, os lasers não param de ser aperfeiçoados, permitindo resultados cada vez melhores, as novas moléculas em estudo vão modificar profundamente o curso de diversas dermatoses inflamatórias.

A par desta evolução fantástica, que permite resultados impensáveis há poucas décadas, surgem novas ameaças.

Nos últimos tempos, muito se tem falado de dispositivos de “inteligência artificial” em Dermatologia. Já há programas “online” para o cidadão comum se autodiagnosticar e, eventualmente, medicar. Como se analisar fotografia fosse observar doente!

Será que alguém acredita, verdadeiramente, que o contacto humano e a relação médico-doente não tem valor fundamental no estabelecimento do diagnóstico e seleção da opção terapêutica?

Saibamos resistir ao desejo de lucro na venda deste tipo de produtos e tornemos a nossa medicina cada vez mais humana. Se o fizermos, esperam-nos tempos extraordinários.

Leia o artigo completo na edição de maio 2019 (nº 294)