A conceção antropocêntrica que dominou as últimas décadas está a ser progressivamente substituída por uma visão mais pluralista e holística do homem e da sua relação com o meio ambiente. A acessibilidade a técnicas de sequenciação genómica de próxima geração permitiu um conhecimento aprofundado acerca das comunidades microbianas do organismo humano, contribuindo para um melhor entendimento desta relação constante e obrigatória.

 

Artigo da responsabilidade do Dr. Pedro Brogueira. Infeciologista e diretor clínico da TW Wellness

A comunidade de bactérias e outros microrganismos que “vive” em nós, garantindo o desempenho das nossas funções vitais, é designada por microbiota. Esta nova área do conhecimento, a metagenómica, abriu a porta ao estudo da microbiota e do seu papel na fisiologia humana.

O QUE É A MICROBIOTA?

O termo microbiota diz respeito a uma comunidade de microrganismos num ambiente específico, o que frequentemente é designado por “flora” comensal. Ao considerarmos o papel dos microrganismos, as interações entre as várias espécies e a sua função, estamos a falar de microbioma.

Do ponto de vista concetual, podemos definir o microbioma segundo duas perspetivas: a ecológica, isto é, a comunidade de espécies comensais e simbióticas que compartilham o nosso espaço corporal; e a genómica e interrelacional, sendo o microbioma a soma dos microrganismos e dos seus elementos genéticos, considerando a sua função no organismo e as interações entre si.

Fundamentalmente, o ser humano deve ser percecionado como um holobionte, isto é, um ecossistema mutualístico composto pelos três domínios da vida – Bactéria, Archae e Eukaryota, em que 90% das células têm origem microbiana. De um modo geral, os sistemas humanos (digestivo, reprodutor, imunitário, etc.) dependem da interação com esta diversidade de microrganismos mutualistas para se considerarem biologicamente e funcionalmente completos.

NOVA VISÃO

Esta nova visão permitiu ganhos consideráveis a nível da compreensão dos mecanismos da doença em diversas patologias, nomeadamente no que diz respeito aos nichos corporais onde a microbiota desempenha um papel fundamental. Durante muito tempo, foram desenvolvidos estudos baseados em culturas para determinar a presença de microrganismos no sistema reprodutor feminino e determinar as suas implicações na reprodução humana.

O Projeto Microbioma Humano (HMP) estimou recentemente que a microbiota vaginal representa cerca de 9% de toda a microbiota humana. Especificamente, as bactérias do género Lactobacillus foram identificadas como as mais representadas neste compartimento corporal. Estas bactérias estão implicadas em diferentes fases da reprodução, desde a gametogénese, fertilização, estabelecimento e manutenção da gestação, e ainda na colonização microbiana do feto e/ou recém-nascido. De facto, pode dizer-se que esta relação bilateral e necessária, de ganho para ambas as partes – humana e microbiana – tem início a partir das primeiras fases de desenvolvimento humano, ainda antes do nascimento, quando ocorre a colonização do feto.

Posteriormente, e em grande medida, o recém-nascido tem contacto com a microbiota vaginal através do canal de parto, sendo esta uma etapa determinante para o estabelecimento de uma microbiota saudável ao longo da vida. Esta perspetiva leva-nos a considerar as potenciais janelas de oportunidade para a modulação do microbioma em etapas chave do desenvolvimento humano. Neste sentido, merecem especial atenção a gestação, o nascimento e a infância precoce, pontos de intervenção onde a alteração do microbioma tem maior probabilidade de impactar a maturação e o desenvolvimento dos sistemas fisiológicos da criança, como por exemplo, o sistema imunitário.

DISBIOSE: EM QUE CONSISTE E QUAIS AS CAUSAS?

Entende-se por disbiose o espectro de alterações à microbiota saudável que promovem o crescimento de algumas espécies de bactérias em detrimento de outras, reduzindo a presença e diminuindo a função das nossas bactérias comensais, produzindo uma cascata de alterações fisiológicas com impacto significativo na função do órgão ou sistema em causa (cérebro, sistema imunitário, sistema digestivo).

Entre os diversos fatores promotores de disbiose, a utilização de antibióticos é o mais determinante. Hoje é claro que mesmo a utilização racional de antibióticos promove consequências a longo prazo relacionadas com a destruição das bactérias necessárias ao funcionamento harmonioso e saudável do organismo.

A insuficiência do microbioma induzida pelos antibióticos resulta na perda das funções metabólicas e de sinalização promovidas pelas bactérias comensais, levando à desregulação do sistema imunitário e a um aumento do risco de infeções recorrentes. Em linha com o referido anteriormente, a gravidez e o período neonatal são fases particularmente sensíveis às consequências adversas e de longo prazo da administração de antibióticos.

O estudo do microbioma, a nível da sua composição e papel, e a compreensão dos efeitos da disbiose na disrupção dos processos fisiológicos e do seu impacto na saúde global, são de facto áreas de grande interesse e intensa investigação atualmente. Daqui surge a resposta a uma necessidade urgente de preservar a integridade do microbioma, face aos agentes externos promotores de disbiose, nomeadamente a massificação do uso de antibióticos, nas mais diversas áreas desde a saúde humana e animal à agricultura de produção.

Leia o artigo completo na edição de maio 2022 (nº 327)