É através da junção de pequeníssimos fragmentos de conhecimento, gerados em múltiplos centros de investigação por todo o mundo, que se consegue, com passos lentos mas firmes, caminhar rumo a um futuro mais auspicioso para os doentes com leucemias agudas, no geral, e leucemia linfoblástica aguda, em particular.

 

Artigo da responsabilidade do Dr. Luís Pedro Monteiro, interno de Hematologia Clínica do Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC); investigador no Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes (IMM-JLA)

 

Quando se fala de leucemia, a maior parte das pessoas assusta-se e automaticamente associa a palavra a um tipo de cancro do sangue, raro e extremamente agressivo. No entanto, há que saber contextualizar a doença. Ou melhor, há que saber contextualizar as doenças, uma vez que leucemia que, literalmente, significa “excesso de leucócitos no sangue” engloba um grupo muito heterogéneo de patologias, umas crónicas e outras agudas.

Leucemias crónicas

As leucemias crónicas – leucemia linfocítica crónica e leucemia mieloide crónica , como a própria designação indica, são doenças que necessitam de ser tratadas ao longo do tempo e, tendencialmente, não são curáveis. Os doentes serão tratados, episodicamente ou de forma contínua, ao longo das suas vidas, sempre na procura da obtenção da melhor resposta clínica possível, que ocorre quando as células tumorais deixam de ser detetáveis pelas ferramentas laboratoriais de que dispomos, entrando na chamada fase de remissão.

De uma forma simplista, podemos dizer que o caráter menos agressivo e urgente desta família de leucemias advém do facto de, na sua origem, estarem glóbulos brancos mais envelhecidos e com uma capacidade de proliferação mais reduzida, dando tempo, ao clínico, para chegar ao diagnóstico e se iniciar o tratamento.

Leucemias agudas

Já quando se fala de leucemias agudas, no geral, e de leucemia linfoblástica aguda (LLA), em particular, está-se a falar de um cancro produzido a partir de um linfoblasto, uma célula parecida a um linfócito jovem, que em condições normais é responsável pela defesa contra vírus e bactérias, mas que aqui adquiriu perigosas mutações que o alteraram. Este linfoblasto, não só prolifera a uma velocidade muito mais elevada do que as células sanguíneas normais, como também é capaz de sobreviver para lá do que seria expectável, fugindo aos mecanismos reguladores do próprio organismo.

Normalmente, o diagnóstico de qualquer leucemia aguda é feito de forma célere, visto que o período desde o aparecimento dos primeiros linfoblastos até à manifestação clínica tende a ser de dias a poucas semanas.

Como na origem do tumor está um crescimento desmesurado de células malignas, na medula óssea, esta “fábrica” do sangue fica impedida de produzir as células normais. Os doentes apresentam sintomas muito inespecíficos, como cansaço inexplicável, hematomas espontâneos e hemorragias e/ou infeções de difícil resolução, mesmo quando medicadas com antibióticos ou antivirais, tudo porque o organismo deixa de ser capaz de produzir glóbulos vermelhos, plaquetas e glóbulos brancos funcionantes, respetivamente.

Uma análise ao sangue pode ser altamente sugestiva de leucemia aguda, mas só olhando para o sangue medular, através da realização de uma aspiração de medula óssea, poder-se-á confirmar a suspeita.

Impacto não deve ser menosprezado

E apesar da LLA ser uma doença rara, que afeta menos de 5 em cada 100 mil indivíduos, o profundo impacto deste cancro na sociedade não deve ser menosprezado. Não só falamos de uma doença extraordinariamente agressiva, com necessidade de tratamentos complexos e bastante tóxicos, onde na maioria das vezes não conseguimos encontrar uma causa para a sua origem, como falamos também de uma doença cujo pico de incidência ocorre em população jovem, sendo, de resto, responsável por 25% de todos os cancros abaixo dos 15 anos de idade.

Há que salientar, no entanto, que como acontece em outras doenças oncológicas, o termo LLA engloba um vasto conjunto de subcategorias de doença, que podem variar na agressividade, no prognóstico e, por fim, na estratégia terapêutica a utilizar.

É notório que, do ponto de vista clínico e biológico, uma LLA num bebé ou uma LLA num adulto são doenças substancialmente diferentes, com desfechos potencialmente distintos. Não só o número de mutações de um linfoblasto numa LLA pediátrica é menor do que no adulto, como a resiliência do organismo de uma criança face à quimioterapia é maior do que o organismo de um adulto. Assim, com o tratamento certo, a probabilidade de cura de uma criança com LLA ronda os 90%, valor esse muito superior ao encontrado para a população mais velha.

No entanto, há riscos inerentes à toxicidade destas terapêuticas, como um aumento do risco de segundos cancros ao longo da vida ou um envelhecimento precoce das capacidades pulmonar e cardíaca, décadas após o tratamento.

Importância da investigação científica

E face às ainda elevadas mortalidade e morbilidade que esta doença acarreta em adultos e crianças, respetivamente, deve ser realçada a importância da investigação científica para catalogar pormenorizadamente as LLA que podem beneficiar de um ou de outro tratamento mais personalizado.

Foi nesse âmbito, de resto, que a 1ª Edição da Bolsa de Iniciação à Investigação em LLA foi atribuída ao laboratório do Professor João Barata (Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes), financiando um projeto que procura correlacionar um subgrupo de LLA, cuja viabilidade depende de uma molécula inflamatória específica, a interleucina-7 (IL-7), com uma maior eficiência dos blastos na utilização de gorduras para a sua sobrevivência.

Caso se dê como provada esta hipótese, a identificação de doentes com LLA dependentes de IL-7 pode sugerir a utilização de medicamentos antilipidémicos, como as estatinas, em associação aos tratamentos já praticados na rotina para esta doença, melhorando a sobrevivência dos doentes.

É com a integração deste fragmento de conhecimento com outros pequeníssimos fragmentos de conhecimento, gerados em múltiplos centros de investigação e hospitais por todo o mundo, que se consegue, com passos lentos mas firmes, caminhar rumo a um futuro mais auspicioso para os doentes com LLA, para os seus cuidadores e para os seus familiares.

Artigo publicado na edição de maio 2021 (nº 316)