Cerca de 600 mil portugueses sofrem de incontinência urinária, a maioria em silêncio. Porém, esta doença pode ter uma taxa de cura de 90%, pelo que a procura de ajuda médica, quando se sentem os primeiros sintomas, é essencial para a instauração do tratamento adequado.

 

A incontinência urinária (IU) é uma situação patológica que resulta da incapacidade em armazenar e controlar a saída da urina. É caraterizada por perdas urinárias involuntárias que se apresentam de forma muito diversificada, desde fugas muito ligeiras e ocasionais, a perdas mais graves e regulares.

As mulheres são as mais afetadas pela IU. Aproximadamente 33% das mulheres e 16% dos homens com mais de 40 anos têm sintomas da doença, segundo dados da Associação Portuguesa de Urologia.

FATORES DE RISCO

Os fatores de risco podem ser intrínsecos, como é o caso da raça, da predisposição familiar ou de anormalidades anatómicas e neurológicas. Podem ser fatores obstétricos e ginecológicos, de que são exemplos a gravidez e o parto, os efeitos colaterais da cirurgia pélvica e radioterapia ou o prolapso genital. Ou podem ser fatores promotores, como a idade, as co-morbilidades, a obesidade, a obstipação, o tabaco, as atividades ocupacionais, a menopausa ou a medicação.

TIPOS DE INCONTINÊNCIA

As perdas de urina têm diferentes causas e apresentam-se com diferentes manifestações, que podem corresponder a um problema temporário ou a uma doença mais persistente.

Incontinência de esforço – Pequenas perdas de urina que acontecem quando o indivíduo se ri, tosse, espirra, faz exercício, se curva ou pega em algo pesado. Ocorre quando os músculos do pavimento pélvico estão enfraquecidos e existe uma pressão exercida sobre a bexiga.

Mais prevalente em mulheres entre os 45 e 65 anos – decorre da fragilidade dos músculos pélvicos que suportam a bexiga e a uretra. Em alturas de maior esforço, como tossir, saltar, correr, espirrar e levantar pesos, a pressão abdominal aumenta e o esfíncter (válvula responsável pela retenção da urina na bexiga) perde a força e deixa escapar a urina.

Nos homens, este problema pode acontecer após prostatectomia radical (utilizado para tratamento do cancro da próstata). Como a próstata se encontra numa situação anatómica crítica (entre a bexiga e o esfíncter), a cirurgia pode danificar o esfíncter, provocando uma situação de incontinência de esforço.

Incontinência por urgência ou imperiosidade – Ocorre repentinamente, acompanhada de uma vontade súbita e intensa de ir à casa de banho. A bexiga apresenta súbitas contrações, causando urgência em urinar.

Este tipo de incontinência pode estar relacionado com o envelhecimento, mas também surge em idades mais jovens, associado a doenças neurológicas ou, muitas vezes, sem causas identificáveis.

O quadro de imperiosidade (urgência) da incontinência urinária é uma situação dramática, na medida em que condiciona o dia a dia das pessoas. Há doentes que se mantêm sempre atentos ao local onde há uma casa de banho e outros que traçam um roteiro dos sanitários por onde vão passar.

Incontinência mista – Combinação da incontinência de esforço com a incontinência de urgência.

Incontinência por extravasamento – As perdas de urina acontecem quando a bexiga suporta grandes volumes de urina e a pressão do líquido é tão grande que ultrapassa a resistência uretral

Incontinência funcional – Causada por incapacidade do doente, em casos de demência ou lesão neurológica grave, como, por exemplo, Alzheimer ou Parkinson.

Enurese noturna – Perdas de urina durante o sono. É frequente em crianças, mas pode ocorrer também em idade adulta.

IMPACTO SOCIOECONÓMICO

As perdas involuntárias de urina são extremamente comuns. No entanto, é um sintoma que define um problema de saúde pública, com um impacto social e económico considerável. Mesmo as mais pequenas perdas de urina têm implicações na qualidade de vida, atingindo o âmbito físico, social, sexual e psíquico, com repercussões a nível emocional.

Como se trata de um assunto que toca a intimidade da pessoa, a IU ainda é encarada como um tabu, condicionando a vida do doente a vários níveis: pessoal, familiar, social e laboral. Este problema pode conduzir a uma fuga do contacto social e ao isolamento, porque está sempre presente o medo e a vergonha de que os outros notem ou sintam o cheiro. Pode afetar também a relação conjugal, uma vez que a intimidade do casal é prejudicada.

A incontinência urinária, sobretudo na mulher, é um grave problema cultural. Como a mãe e a avó também sofreram da mesma doença, assume-se a incontinência urinária como uma herança. O fator familiar expõe a ideia de que é algo natural e, por isso, deve ser encarado como um fardo. Assim, a mulher vai protelando a solução e tenta adaptar o seu dia a dia, até ao ponto em que fica condicionada por esta situação.

DIAGNÓSTICO PELO MÉDICO DE FAMÍLIA

O diagnóstico da incontinência urinária tem início no historial clínico do doente, que descreve em que condições sofre de perdas de urina.

Para que se possa optar pelo tratamento mais adequado, tem de se fazer um diagnóstico assertivo dos mecanismos e circunstâncias que promovem a incontinência urinária.

Após a definição dos sintomas, um exame físico dirigido, com pequenas manobras que tentam mimetizar a perda de urina, confere um diagnóstico bastante preciso.

Os exames complementares passam por uma ecografia, análises gerais ao sangue e à urina. Estes atos estão perfeitamente ao alcance do médico de família, o qual, como em todos os grandes problemas de Saúde Pública, tem aqui um papel primordial. Para desencadear o tratamento da esmagadora maioria dos doentes não são necessários outros exames.

O médico de família pode, nesta fase, orientar para terapêutica oral e fisioterapia as situações de incontinência urinária de imperiosidade. Na incontinência de esforço, a orientação pode ser feita para fisioterapia ou, nos casos mais graves, para cirurgia.

TRATAMENTO EM 90% DOS CASOS

Na última década, foram feitas importantes descobertas nesta área. Existem, inclusivamente, formas de IU que são tratadas com medicamentos ou técnicas de reabilitação. E a maioria das cirurgias quase não implicam internamento, sendo a vida normal retomada horas ou poucos dias depois.

O tratamento cirúrgico desempenha um papel preponderante na incontinência urinária de esforço, tanto na mulher, como no homem. Para a incontinência urinária de esforço, a cura é possível em cerca de 90% dos casos.

Na incontinência urinária por imperiosidade, o tratamento com fármacos orais (cuja ação estabiliza o músculo vesical – o detrusor – inibindo a sua contração involuntária) consegue melhorias sintomáticas em 80% dos casos.

As alterações comportamentais necessárias, principalmente na incontinência por imperiosidade, passam por um controlo da ingestão de líquidos, a exclusão de alimentos excitantes para a bexiga, como a cafeína, a micção temporizada ou a micção diferida, consoante a gravidade da doença e a autonomia do doente.

CIRURGIA PARA A INCONTINÊNCIA DE ESFORÇO

O tratamento cirúrgico mais utilizado na incontinência de esforço na mulher consiste na colocação de pequenas redes, de material sintético, sob a uretra. Estas são colocadas por via vaginal, através de uma incisão com cerca de 1 centímetro.

Também os homens submetidos a prostatectomia radical que ficaram incontinentes podem ser tratados com redes suburetrais.

Quando estas técnicas não permitem curar a incontinência de esforço, é possível proceder a colocação de aparelhos mais complexos, designados por esfíncteres urinários artificiais. O emprego destes mecanismos representa um maior desafio técnico, dado o maior risco de morbilidade associado, sendo reservado para casos particulares.

Fontes: Associação Portuguesa de Urologia e Associação Portuguesa de Neurourologia e Uroginecologia

 

Números da incontinência urinária em Portugal

  • A incontinência urinária afeta 20% da população portuguesa com mais de 40 anos, o que significa que 1 em cada 5 portugueses acima dos 40 anos sofre da doença.
  • Estudos realizados na população portuguesa apontam para a existência de 600 mil incontinentes nos diferentes segmentos etários. Com o envelhecimento da população, a tendência será este número continuar a crescer.
  • Entre os 45 e os 65 anos, a proporção de casos de incontinência urinária é de 3 mulheres para cada homem.
  • 50% das pessoas institucionalizadas sofrem de incontinência urinária.
  • Apenas 10% dos doentes recorrem ao médico por problemas de incontinência. Os restantes, recorrem à automedicação ou à autoproteção.
  • A taxa de cura da incontinência de esforço é de 90%.

Leia o artigo completo na edição de dezembro 2020 (nº 311)