Uma correta perceção do risco, o diagnóstico atempado, o tratamento adequado e o bem-estar psicossocial são componentes fundamentais para uma boa qualidade de vida das mulheres com VIH. 

Artigo da responsabilidade da Dra. Diva Trigo. Infeciologista no Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca

 

A educação para a saúde, nomeadamente no âmbito da prevenção de infeções sexualmente transmitidas, já é, hoje em dia, felizmente, parte integrante dos programas escolares. Adicionalmente, a internet é uma fonte quase inesgotável de informação, disponível a quase toda a população. Mas ao acesso a informação de qualidade tem que se aliar uma autoperceção de risco.

A infeção pelo vírus da imunodeficiência humana (VIH) não escolhe idade, raça ou estrato socio-educacional. E basta uma exposição de risco para passar a viver com o vírus. O preconceito e discriminação que ainda se associam à infeção constituem, eles próprios, uma barreira à sua prevenção e diagnóstico.

DIAGNÓSTICO DE NOVAS INFEÇÕES

Daí que tenham sido desenvolvidas estratégias para otimização do diagnóstico de novas infeções, nomeadamente através da incorporação do rastreio de VIH nas análises pré-natais, da sensibilização para a necessidade de rastreio de VIH em todas as pessoas, pelo menos uma vez na vida (mesmo fora dos grupos com reconhecidamente maior risco para infeção) e do alargamento da rede de rastreios ao contexto fora das instituições de saúde, na comunidade.

Mundialmente, estima-se que cerca de metade das pessoas que vivem com VIH são mulheres. No ano de 2019, em Portugal, cerca de 30% dos novos casos corresponderam a mulheres. Sobretudo mulheres jovens, em idade fértil, na faixa etária entre os 30 e os 39 anos de idade, em mais de 90% dos casos infetadas por via sexual. À data de diagnóstico, a maioria destas mulheres não apresentava sintomas de infeção. No entanto, quase metade delas, na realidade, já se encontrava em fase avançada da infeção, com o sistema imunitário gravemente debilitado.

E DEPOIS DO DIAGNÓSTICO?

E depois do diagnóstico, como é ser mulher e viver com VIH? Numa primeira fase, é ter que aceitar o diagnóstico, compreender a necessidade de seguimento clínico e perceber que a infeção por VIH é uma infeção crónica que, não sendo (ainda) curável, tem tratamento. Aprender que este tratamento antirretrovírico (assim designado por o vírus se tratar de um retrovírus) pode ser tão simples como um comprimido por dia, tomado à hora mais conveniente, integrado na normal rotina diária. Existem várias opções disponíveis e para cada mulher é encontrado o tratamento mais adequado, mais bem tolerado e com menor toxicidade a longo prazo.

O prognóstico da infeção é tanto melhor quanto mais precocemente o tratamento seja iniciado e quanto melhor seja a adesão ao tratamento. Isto porque o tratamento assegura a recuperação e manutenção de um sistema imunitário eficaz e garante a travagem da multiplicação do vírus no organismo, o que designamos por obtenção de “carga viral indetetável”. O vírus persiste no organismo e será sempre passível de deteção em análises de rastreio, mas encontra-se em níveis reduzidos no sangue.

Esta supressão do vírus traduz-se numa franca melhoria do estado global de saúde, com redução do risco de desenvolvimento de outras infeções relacionadas (as chamadas infeções oportunistas), várias neoplasias (incluindo neoplasias associadas ao vírus do papiloma humano, HPV), doenças cardiovasculares e outras doenças crónicas. Atualmente, a sobrevida de uma mulher infetada por VIH aproxima-se muito da sobrevida de uma mulher sem infeção.

VIDA (QUASE) NORMAL

Além disso, com carga viral indetetável, o risco de transmissão de infeção a outros é desprezível: i=i, indetetável é igual a intransmissível. Esta máxima aplica-se ao risco de transmissão por via sexual a parceiros serodiscordantes, ou seja, não infetados por VIH. E aplica-se ainda ao risco de transmissão de infeção entre mãe e filho na gravidez e no parto, permitindo a realização de um parto por via vaginal, desde que a situação obstétrica o permita.

Por outro lado, nos países desenvolvidos, a amamentação continua a ser geralmente desaconselhada nas mulheres que vivem com VIH, sendo recomendado e suportado o aleitamento artificial, o que pode contribuir para a potenciação do autoestigma e estigma percebido que muitas mulheres experienciam.

Além da saúde física, a saúde mental e bem-estar psicossocial são componentes fundamentais para uma boa qualidade de vida das mulheres com VIH. Que cada uma delas se sinta devidamente apoiada e estimulada a conseguir a melhor versão de si, todos os dias.

Leia o artigo completo na edição de maio 2022 (nº 327)