Uma em cada 7 pessoas sofrem de enxaqueca. A doença atinge cerca de 15% da população mundial, ou seja, mais de 1,3 mil milhões de pessoas. Não seja mais uma a sofrer em silêncio.

 

Artigo da responsabilidade da Dra. Elsa Parreira, neurologista do Hospital Prof. Dr. Fernando Fonseca. Presidente da Sociedade Portuguesa de Cefaleias

 

A enxaqueca não é apenas uma simples dor de cabeça: é uma doença neurológica que provoca uma constelação de sintomas, os quais vão muito além das dores e que têm um impacto muito negativo na qualidade de vida.

Esta afeção vai condicionar, de modo significativo, a vida dos que dela sofrem. Quem tem enxaqueca bem sabe como é afetado por esta doença invisível e imprevisível, na qual as crises surgem sem aviso e influenciam todos os aspetos da sua vida – profissional, social e familiar.

Tremendo impacto

Durante a crise de enxaqueca, apenas 7% das pessoas conseguem manter uma atividade normal; nas restantes, a enxaqueca leva a uma diminuição da produtividade e, em mais de metade, obriga a interromper toda a atividade, pelo menos durante algumas horas, e a ficar isolado no escuro e no silêncio, sem conseguir mover-se, à espera que a crise passe.

As pessoas com enxaqueca vivem, em média, 10% do seu tempo de vida em crise e ela é responsável, todos os dias, pela perda de 0,7% da capacidade de trabalho de toda a população europeia.

Embora possa atingir qualquer grupo etário, a doença é muito mais frequente nas idades mais ativas da nossa vida, entre os 20 e os 40 anos, tendo uma predileção franca pelas mulheres (é três vezes mais frequente na mulher). Geralmente, inicia-se na adolescência e, no caso das raparigas, muitas vezes com a puberdade. De igual modo, após a menopausa, tem tendência a melhorar, embora nem sempre.

Fenómeno complexo

A causa da enxaqueca é ainda desconhecida. Tem, no entanto, uma forte predisposição genética, pelo que é frequente que os filhos de pessoas com enxaqueca possam também vir a ter enxaqueca. Existe uma história familiar positiva em cerca de 90% das pessoas.  O cérebro das pessoas com enxaqueca parece ser mais sensível a estímulos internos e externos e reage a esses estímulos com o aparecimento de uma crise, através da ativação de uma séria de centros cerebrais e da libertação de neuropéptidos inflamatórios.

A crise de enxaqueca é um fenómeno complexo, que tem duração variável, desde poucas horas a 3-4 dias, nem sempre é igual e pode ser constituída por várias fases:

  • Fase prodrómica, com vários sintomas inespecíficos (cansaço, irritabilidade, bocejo frequente), que anunciam o aproximar da dor.
  • Fase de aura, que ocorre em apenas um quarto das pessoas com enxaqueca, em que podem ser experienciadas alterações da visão (como ver luzes brilhantes, linhas em zigzag ou mesmo deixar de ver em alguma parte do campo visual), alterações da sensibilidade (dormências ou formigueiros em metade do corpo) ou, muito mais raramente, perturbação da linguagem (dificuldade em emitir palavras) ou motoras (perda de força num membro). A aura é transitória: dura, geralmente, entre 20-30 minutos a uma hora, e é completamente reversível. Muitas vezes, precede a dor, mas também pode acompanhá-la.
  • Fase de dor, que é a mais constante, ou seja, é aquela que surge em praticamente todas as crises: a dor de cabeça atinge, geralmente, a região frontal ou temporal; é latejante, intensa, agrava com a luz, ruído e movimentos da cabeça; e piora muito com atividade física banal, pelo que, quando mais intensa, obriga a que a pessoa tenha que repousar na cama.
  • Fase de resolução. A crise entra, depois, numa fase de resolução, que pode durar mais um dia, na qual os sintomas estão muito atenuados, mas em que se pode sentir fadiga, dificuldade de concentração e mesmo dor desencadeada por esforço físico.

Fatores desencadeantes

As crises de enxaqueca podem surgir a intervalos variáveis de pessoa para pessoa e até na mesma pessoa: podem surgir apenas 3 a 4 vezes ao ano ou até mais de uma vez por semana. Nos casos mais graves, na denominada enxaqueca crónica, a pessoa tem dores de cabeça mais de 15 dias por mês. É a esta forma que se associam maiores custos pessoais, sociais e económicos.

Em cerca de metade dos casos, os doentes podem identificar aquilo que desencadeia uma crise, ou seja, aquilo que vai aumentar a probabilidade de ocorrer uma crise: são os chamados fatores desencadeantes. Destacam-se, por serem os mais habituais, o período menstrual nas mulheres, as perturbações do sono, o cansaço e o stress e a exposição a certo tipo de estímulos, como alimentos, odores intensos, calor ambiente, entre outros.

Para reduzir a atividade da doença

A enxaqueca é uma patologia sem cura, mas com tratamento eficaz, isto é, adotando uma série de medidas, podemos reduzir significativamente a atividade desta doença, reduzir o número de crises e diminuir, de modo muito evidente, o impacto negativo que a enxaqueca tem nos seus portadores, melhorando muito a sua qualidade de vida.

As medidas que beneficiam quem tem enxaqueca, para além do tratamento farmacológico, são as seguintes: adotar um estilo de vida saudável, ter uma dieta equilibrada e uma hidratação adequada, praticar exercício físico aeróbico, manter os horários das rotinas quotidianas, não beber café em excesso, não fumar, dormir o tempo necessário e evitar o stress e a ansiedade.

Tratamentos eficazes

Quanto ao tratamento farmacológico, pode ser agudo/abortivo ou preventivo/profilático, consoante os casos.

Para o tratamento agudo, ou seja, para tratar a crise quando ela surge e para encurtar a sua duração, podem ser utilizados analgésicos comuns (paracetamol) ou anti-inflamatórios. Estes fármacos, se tomados precocemente, são bastante eficazes e devem ser utilizados como primeira linha nas crises não muito intensas.

Quando as crises são mais intensas, podem ser usados medicamentos especificamente produzidos para tratamento da enxaqueca, os triptanos, que são bastante eficazes no tratamento agudo da dor e sintomas associados.

Quando as crises são muito frequentes, mais do que 3-4 dias por mês, devemos realizar as chamadas terapêuticas preventivas ou profiláticas. Neste tipo de terapêutica, os medicamentos, que devem ser tomados durante largas semanas ou meses, destinam-se a reduzir a frequência e a intensidade dos episódios de enxaqueca.

Existem muitos medicamentos utilizados para a profilaxia da enxaqueca: a maioria são de toma oral diária, mas mais recentemente surgiram medicamentos injetáveis (chamados medicamentos biológicos) de toma mensal ou trimestral.

A medicação preventiva é suspensa, após a melhoria, mas não de modo demasiado precoce (mínimo, 6 meses), para evitar recaídas.

Na maior parte dos casos, quer o tratamento agudo quer o tratamento preventivo, permitem uma efetiva melhoria da enxaqueca, com redução do sofrimento por ela provocado, pelo que todas as pessoas que sofrem de enxaqueca devem procurar ajuda junto do seu médico assistente ou de um neurologista, de modo a receberem as respostas terapêuticas adequadas ao seu caso.

Leia o artigo completo na edição de maio 2021 (nº 316)