Artigo da responsabilidade do Prof. Dr. Jorge Gonçalves. Professor Catedrático de Farmacologia, Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto

 

O número de portugueses com fibromialgia deverá ser superior a 300 mil, caso a sua prevalência em Portugal não seja diferente da global.

A fibromialgia é ainda uma doença mal conhecida. Por isso, difícil de diagnosticar e de tratar. O número de trabalhos científicos originais sobre fibromialgia publicados em todo o mundo, nos últimos dez anos, ronda os 5000, o que é muito pouco face a uma doença com esta prevalência. Portugal não é exceção. No período de 2012 a 2022, foram publicados apenas 60 trabalhos científicos sobre a fibromialgia e poucos destes orientados para o entendimento das bases fisiopatológicas da doença.

Esta falta de conhecimento limita a intervenção clínica e gera uma impotência e frustração recíproca que conduz os doentes a situações de quase marginalização. As situações de quase se duvidar da existência da própria doença.

Conhecer melhor os mecanismos da doença deve ser, por isso, uma prioridade. Só assim se poderá encontrar marcadores que auxiliem o diagnóstico. Só assim teremos um modelo racional para identificar tratamentos mais eficazes.

Em busca de tratamentos mais eficazes

Na Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, o grupo liderado por mim no Laboratório de Farmacologia passou a incluir a fibromialgia na sua lista de preocupações científicas há cerca de quatro anos, apenas. O nosso interesse pelo tema foi desencadeado pelo conhecimento direto de uma doente com fibromialgia que melhorou extraordinariamente após ter tomado uma combinação de medicamentos prescritos para outro fim e de tal confirmação pelo seu médico assistente.

O nosso conhecimento sobre o modo de ação desses fármacos e a análise da diversa informação científica clínica e não clínica sobre a fibromialgia permitiu-nos construir uma hipótese explicativa para a doença que poderá abrir novas oportunidades para o diagnóstico e para o tratamento da fibromialgia.

Esta hipótese permite entender o caracter diferenciador da doença relativamente a quadros reumáticos e neuropsiquiátricos com os quais a fibromialgia é, erradamente, confundida. Permite explicar porque é que a fibromialgia é mais prevalente nas mulheres, e mais ainda nas com mais de 40 anos; porque é que a atividade física aeróbica pode ser uma das formas mais eficazes para reduzir a dor e melhorar a qualidade de vida; porque é que os opiáceos são pouco ou ineficazes e porque é que os antidepressores poderão ser eficazes sem que tal decorra da melhoria do humor.

Permite também entender a relação entre a maior prevalência de diferenças em certos genes (polimorfismos) em pessoas com fibromialgia com o desenvolvimento do quadro clínico.

O nosso trabalho de construção de um modelo mecanicista para a fibromialgia está a aproximar-se do fim. Em breve será submetido à avaliação independente para ser publicado numa revista científica. Esta libertação precoce de informação deve-se ao compromisso que temos com os doentes com fibromialgia.

Em 2020, tínhamos planeado a realização de um encontro alargado entre doentes, médicos e investigadores para conhecermos melhor quem e o que investiga e a realidade da fibromialgia em Portugal. A pandemia levou-nos a cancelar o evento.

Acreditámos que, em 2022, já seria possível realizar algo parecido no dia 12 de maio, Dia Mundial da Fibromialgia. Porém, o lastro da pandemia ainda não nos permitiu tal organização. Esta partilha é, pois, um prestar de contas a quem depositou em nós confiança e alguma esperança. É para lhes dizer que não esquecemos a fibromialgia e que há uma janela de oportunidade para encontrar tratamentos mais eficazes.

Conjugação de esforços

Todos sabemos que em ciência não há milagres. Que descobrir novos tratamentos podem levar décadas. Porém, o que aprendemos até agora sobre o provável mecanismo da doença leva-nos a pensar que há vários medicamentos já disponíveis no mercado que poderão ser eficazes na fibromialgia. Sabemos que são seguros face ao seu histórico de uso para outras indicações. Será “apenas” necessária a validação clínica da sua eficácia.

É hábito que esses estudos sejam realizados por iniciativa da indústria farmacêutica.

Esta recuperará o seu investimento através das vendas dos medicamentos e da proteção por patente do medicamento em causa. Porém, os medicamentos que nos parecem promissores estão já fora do período de patente e são baratos. Nestas circunstâncias, dificilmente uma empresa farmacêutica vai tomar a iniciativa para os testar.

A realização desses estudos por iniciativa de outros promotores (investigador ou associações de doentes) é mais difícil, mas não impossível. Obriga a uma exigente conjugação de esforços. A criação de uma plataforma nacional que promovesse e apoiasse a investigação científica da fibromialgia, seria a forma possível para o fazer.

Pela nossa parte, estamos dispostos a dar a nossa colaboração, se os doentes e as diversas associações de doentes com fibromialgia também estiverem dispostas. Este é o momento. E seria a melhor forma para, em 12 de Maio de 2022, se comemorar o Dia Mundial da Fibromialgia.