A DOENÇA DIVERTICULAR É UMA ALTERAÇÃO DO INTESTINO CARACTERIZADA PELA FORMAÇÃO DE DIVERTÍCULOS, QUE SÃO PEQUENAS BOLSAS, NA MUCOSA DO INTESTINO GROSSO. A DOENÇA APRESENTA-SE SOB DIVERSAS FORMAS, DE GRAVIDADE VARIÁVEL.

 

Artigo da responsabilidade da Dra. Margarida Marques. Médica gastrenterologista

 

Os divertículos cólicos são saculações ou protusões adquiridas da parede do cólon, envolvendo apenas as camadas mucosa e submucosa (pseudo-divertículos), no local onde penetram as artérias de alimentação da mesma, correspondendo assim a zonas de maior fragilidade da parede.

Em termos de classificação, a doença diverticular divide-se em:

Diverticulose – Presença de divertículos sem sintomas

Doença diverticular não complicada (DDNC) – Presença de divertículos com desconforto ou dor abdominal ligeira, mas sem sintomas sistémicos;

Diverticulite aguda (DA) – Inflamação e/ou infeção súbita associada a divertículo.

A diferença entre diverticulite complicada e não complicada está na presença ou ausência da perfuração da parede, que se diagnostica pela presença de ar, fístula ou abscesso.

A colite segmentar associada a diverticulose caracteriza-se por uma inflamação segmentar não específica no cólon sigmoide que envolve múltiplos divertículos, sem envolver necessariamente os orifícios dos divertículos.

INCIDÊNCIA E ETIOLOGIA

A incidência da doença diverticular do cólon aumenta com a idade, sendo inferior a 2% em indivíduos com menos de 30 anos e superior a 60% em indivíduos com mais de 60 anos. Em idades mais jovens (menos de 50 anos), é mais prevalente no género masculino, mas a partir dos 50 anos, a doença torna-se mais prevalente no género feminino. A maioria dos divertículos predomina no cólon esquerdo, mais exatamente no cólon sigmoide, sendo uma doença muito prevalente nos países ocidentais e industrializados.

Em termos de etiologia, a diverticulose é uma entidade multifatorial: fatores como uma dieta pobre em fibras e rica em carne vermelha, a dismotilidade intestinal e a disbiose intestinal têm sido associados ao seu aparecimento. Este risco pode ser reduzido com uma dieta rica em fibras, especialmente se forem derivadas de celulose (frutas e vegetais). Indivíduos fumadores e obesos têm maior probabilidade de ter doença complicada.

COMPLICAÇÕES E RECORRÊNCIA

A maioria dos doentes (80%) com divertículos é assintomática; apenas cerca de 20% se torna sintomática ao longo da vida. Complicações da diverticulite ocorrem em cerca de 12% dos doentes sintomáticos. A complicação mais frequente é um fleimão ou abcesso (cerca de 70% dos doentes com complicação), seguida pela peritonite, obstrução e fístula.

O risco de recorrência aumenta com episódios subsequentes. Fatores de risco para a recorrência incluem a idade jovem ao diagnóstico, a gravidade do episódio inicial, a extensão do envolvimento cólico, a história familiar de diverticulite, o tabagismo, o género masculino e a obesidade.

O diagnóstico de diverticulose é, geralmente, incidental durante uma colonoscopia e caracteriza-se clinicamente por ser uma condição assintomática.

DIAGNÓSTICO DE DDNC

A doença diverticular não complicada caracteriza-se por crises de dor abdominal sem evidência de um processo inflamatório. A dor é tipicamente em cólica, mas pode ser constante, e é aliviada, frequentemente, pela passagem de fezes ou gases. Flatulência e alteração dos hábitos intestinais podem ocorrer por sobre-crescimento bacteriano, e a obstipação é mais frequente do que a diarreia. Dor ou desconforto no quadrante inferior esquerdo ou, ocasionalmente, uma ansa de cólon sigmoide dolorosa palpável são achados no exame físico.

A DDNC é, muitas vezes, recorrente e pode ocorrer várias vezes ao ano. Se atentarmos nestas características, parece haver uma semelhança/sobreposição à síndroma do intestino irritável (SII). No entanto, uma combinação de características clínicas e testes laboratoriais podem hoje ajudar, de forma significativa, na diferenciação entre DDNC e SII. Apenas uma minoria dos doentes (10%) com DDNC preenche os critérios diagnósticos de SII (Rome IV); e dor abdominal com duração superior a 24 horas é mais prevalente em doentes com DDNC do que em doentes com SII.

O doseamento de calprotectina fecal também se correlacionou significativamente com a DDNC quando comparado ao SII. Assim, uma calprotectina fecal elevada, associada com dor abdominal no quadrante inferior esquerdo, com uma duração superior a 24 horas, podem ser muito úteis no correto diagnóstico diferencial entre SII e DDNC num indivíduo com diverticulose do cólon.

Do diagnóstico fazem parte o pedido de outros valores laboratoriais, como a contagem de leucócitos, a velocidade de sedimentação e a proteína C reativa, que no caso de diverticulite aguda estão significativamente aumentados, aumentando proporcionalmente se ocorrer uma DA complicada.

EXAMES COMPLEMENTARES DE DIAGNÓSTICO

Na prática clínica, a ecografia abdominal é, geralmente, o exame de primeira linha para doentes que se apresentam com dor abdominal, muito embora o seu papel na doença diverticular não complicada permaneça por esclarecer, servindo, contudo, para excluir outras patologias.

Pelo contrário, existem critérios ecográficos diagnósticos para a diverticulite aguda: espessamento de segmento curto da parede cólica, presença de divertículo inflamado e alterações da gordura pericólica.

A TAC convencional continua a ter um papel central no diagnóstico definitivo da DA, mantendo-se como o exame complementar de diagnóstico de primeira linha. Para além disto, a TAC é capaz de diferenciar uma DA não complicada de uma DA complicada (com estenose e/ou fístula e/ou abscesso).

A colonoscopia permanece o exame complementar preferencial no diagnóstico e seguimento da diverticulose e da doença diverticular, uma vez que a diverticulose é o achado mais frequentemente relatado numa colonoscopia de rotina, especialmente em indivíduos com mais de 50 anos.

TRATAMENTO E PREVENÇÃO

Em termos de tratamento e prevenção, os cuidados de saúde primários podem ter o papel importante de elucidar os doentes acerca do diagnóstico de diverticulose, uma condição assintomática em que nenhum tratamento específico é necessário e não têm indicação para referenciação a uma consulta diferenciada.

Os indivíduos portadores desta condição clínica devem ser aconselhados a fazer uma dieta saudável, equilibrada, incluindo cereais não processados, integrais, frutas e vegetais. Não é necessária a evicção de sementes, frutos secos ou casca de fruta.

Se os doentes forem obstipados, devem ser encorajados a aumentar gradualmente a ingestão de fibra, de forma a minimizar a flatulência e a distensão. Este aumento de fibra deve ser acompanhado pelo aumento da ingestão de fluídos (água/chá). Considerar ainda o uso de laxantes neste contexto.

Os indivíduos devem ser encorajados ainda a praticar exercício físico, esclarecendo-os acerca dos seus benefícios, a perder peso naqueles com excesso de peso ou obesidade e a cessar hábitos tabágicos, reduzindo assim o risco de desenvolver uma diverticulite aguda e doença sintomática.

Em relação à DDNC, não há necessidade de referenciar por rotina estes doentes, a não ser que a investigação endoscópica e/ou imagiológica não possa ser pedida/orientada pelos cuidados de saúde primários, se há suspeita de colite segmentar associada a diverticulose ou ainda se há suspeita de cancro colorretal (CCR). Se um doente tem suspeita de CCR, deve ser orientado para a realização de colonoscopia. Todas as recomendações relativas à diverticulose são válidas para este grupo de doentes.

TRATAMENTO ANTIBIÓTICO

Na DDNC, estão indicados os antibióticos intestinais fracamente/não absorvidos. A rifaximina é um antibiótico fracamente absorvido, que atua a nível do trato gastrointestinal, e que tem propriedades anti-inflamatória e eubiótica. É também muito eficaz e seguro no tratamento do sobre-crescimento bacteriano (a forma mais amplamente diagnosticada de disbiose) que está presente em muitos outros distúrbios gastrointestinais.

A combinação de rifaximina e fibra solúvel é muito eficaz no tratamento da DDNC, achado confirmado em estudos de vida real, quer da prática clínica ao nível de Cuidados Primários, quer da Gastrenterologia. Algumas guidelines recomendam mesmo uma administração cíclica a longo-prazo da rifaximina no tratamento da DDNC. Uma vez que praticamente não é absorvida, a rifaximina tem muito baixo risco de resistência sistémica; a resistência microbiana no trato gastrointestinal é rara e transitória.

Estes doentes não devem ser tratados com antibioterapia sistémica. Devem ser aconselhados a evitar o consumo de AINEs e opioides, uma vez que o seu uso neste contexto aumenta o risco de perfuração diverticular.

Considerar analgesia simples, como paracetamol, para controlo da dor abdominal, bem como antiespasmódicos, se a dor for tipo-cólica. Se os sintomas forem persistentes ou não respondendores, devem ser consideradas causas alternativas, com investigação e tratamento adequados.

ESTRATÉGIAS DIVERSAS

Em doentes com suspeita de DA não complicada, que não são referenciados pelos Cuidados Primários no próprio dia para avaliação hospitalar, devem ser novamente avaliados se os sintomas persistirem ou se agravarem e considerar avaliação diferenciada.

Doentes com suspeita de DA complicada devem ser referenciados no próprio dia para avaliação/investigação hospitalar.

Em doentes com diagnóstico de DA que se mantêm estáveis, sistematicamente bem, deve ser considerada uma estratégia sem antibioterapia, apenas com analgesia simples. Os doentes devem ser prevenidos que, se os sintomas persistirem ou se agravarem, devem reapresentar-se aos cuidados médicos. Deve ser instituída uma estratégia com antibiótico quando há critérios de gravidade, se o doente é imunodeprimido ou tem comorbilidade significativa ou, ainda, se há suspeita de diverticulite aguda complicada (antibioterapia endovenosa). A antibioterapia endovenosa deve ser revista às 48 horas ou após a avaliação imagiológica abdominal e considerar um step down para antibioterapia oral, sempre que possível.

Em doentes com DA complicada por perfuração e peritonite generalizada, o tratamento deve incluir lavagem laparoscópica e/ou ressecção cirúrgica.

Considerar ainda a ressecção (laparoscópica ou não) cirúrgica eletiva em doentes que recuperaram de uma DA complicada, mas mantém sintomas, como é o caso de doentes com estenoses ou fístulas.

Artigo publicado na edição de dezembro 2021 (nº 322)