A ASSOCIAÇÃO PROTECTORA DOS DIABÉTICOS DE PORTUGAL PROPÔS, RECENTEMENTE, AO GOVERNO PORTUGUÊS QUE CONSIDERE TRÊS DESAFIOS PARA FAZER A DIFERENÇA NO COMBATE À DIABETES PARA ALÉM DA PANDEMIA.

Artigo da responsabilidade do Dr. José Manuel Boavida, presidente da APDP, e do Dr. João Filipe Raposo, diretor clínico da APDP

  

Em 2021, sob o signo da pandemia da covid-19, comemoramos 100 anos da descoberta da insulina, um dos primeiros medicamentos “milagre”, e 95 anos do aparecimento do primeiro movimento associativo de cidadãos com diabetes, a Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal (APDP). Estas efemérides levaram a APDP, no passado Dia Mundial da Saúde (7 de abril), a lançar um repto ao Governo sobre saúde e cidadania para além da pandemia.

INOVAR PARA SALVAR

Nos últimos 100 anos, a investigação científica e o desenvolvimento tecnológico, a par do crescimento económico e de novos modelos sociais, permitiram maior qualidade de vida e o aumento da esperança média de vida.

A descoberta da insulina num mundo ainda dominado pelas doenças infecciosas, em que se lutava entre a vida e a morte, introduziu o conceito de doença crónica: uma doença mortal tornou-se uma condição para toda a vida, onde o próprio cidadão era chamado a assumir o seu autotratamento.

A insulina representou uma das maiores inovações em Medicina, aferida pelo número de vidas salvas até hoje. Além dos medicamentos, a tecnologia, entretanto desenvolvida, permitiu maior controlo da doença e maior capacitação das pessoas na gestão da sua doença.

Continuamos a salvar vidas, mas não curamos e esta é uma frustração para as pessoas com diabetes e para os profissionais de saúde.

EDUCAR PARA CAPACITAR

A inovação só funcionou em diabetes porque, desde cedo, se percebeu que a gestão da doença e os meios a ela associadas tinham de ser centralizadas nas pessoas com diabetes. Para cumprir esse objetivo, definiu-se um novo papel para os profissionais de saúde: o de educadores. Os profissionais têm de ser capazes de usar recursos adequados aos conhecimentos e capacidades das pessoas, de modo a que elas estejam efetivamente capacitadas para as suas novas funções.

O aumento da literacia em saúde de uma população, enquanto objetivo relevante para políticas de saúde, não esgota as responsabilidades dos sistemas de saúde para desenvolverem e reconhecerem o papel fundamental da educação para melhores resultados de saúde, com melhor utilização dos recursos investidos.

Este processo de educação é hoje entendido, também, com o envolvimento das pessoas com diabetes – o ensino pelos pares – e com uma cada vez maior participação das associações de doentes, um elo muito mais próximo das necessidades das pessoas e dos recursos da comunidade (assim nasceu a APDP).

ADEQUAR PARA MELHORAR

As doenças crónicas representam hoje o maior consumo de recursos de saúde e são geralmente apontadas como uma das maiores ameaças à sustentabilidade dos sistemas de saúde e ao desenvolvimento económico e social global.

Precisamos urgentemente de discutir alternativas aos sistemas atuais. Precisamos de melhor atuação na prevenção da doença, para termos mais recursos para melhor tratar quem já está doente – a inovação custa (e a prevenção também).

A organização e os processos de cuidados de saúde têm de estar associados a modelos de financiamento que valorizem os melhores resultados e a eficiência. A avaliação dos resultados deve ser uma constante neste processo que queremos de melhoria.

É preciso compreender a enorme complexidade da diabetes e abordá-la de uma forma integrada, reconhecendo a importância da ação sobre os seus determinantes sociais e da reforma do próprio sistema de saúde, transformando-o num sistema resiliente e mais bem equipado para cuidar das pessoas que vivem com doenças crónicas, incluindo a diabetes.

 

No ano em que o tema escolhido pela OMS para assinalar o Dia Mundial da Saúde foi a “Importância dos Trabalhadores de Saúde e Cuidadores”, é igualmente importante que as entidades oficiais e governamentais assumam a implementação de ações sustentadas na experiência e no conhecimento existentes, incluindo o das associações de doentes. Este período de pandemia que vivemos foi e é uma tremenda amostra da importância, quer na morbilidade quer na mortalidade, das doenças crónicas, em geral, e da diabetes, em particular.

TRÊS DESAFIOS NO COMBATE À DIABETES

A APDP propôs ao Governo Português que considere três desafios para fazer a diferença no combate à diabetes:

  1. Reduzir o risco

É necessário acabar com a visão simplista de que a diabetes é uma doença provocada pelo estilo de vida da própria pessoa, sem considerar a complexidade da doença, a influência da genética, dos ambientes obesogénicos e o impacto das desigualdades sociais.

Temos de desenvolver uma sociedade com um ambiente favorável à saúde e não à doença. Uma abordagem da “saúde em todas as políticas” deve ajudar a projetar comunidades mais saudáveis, através de melhores condições de habitação, emprego, transportes, planeamento urbano, entre outras políticas sociais. As escolas, de todos os níveis de ensino, devem integrar no seu currículo perspetivas práticas de educação para a saúde, incentivar a atividade física e proporcionar oportunidades para um desenvolvimento ativo e saudável. As estratégias de prevenção e diagnóstico precoce devem envolver as organizações de base comunitária, além das unidades de saúde.

 

  1. Integrar cuidados

É fundamental reforçar os cuidados de proximidade, assegurando a sua agilização, garantindo um médico para cada cidadão, e criando uma forte articulação com as autarquias e o setor social. Devem ser implementados novos modelos de prestação de cuidados, através da criação de unidades integradas e multidisciplinares, a exemplo do trabalho desenvolvido pela APDP, com objetivos centrados em resultados de saúde relevantes para as pessoas e que promovam a autonomia e os cuidados personalizados e centrados na avaliação de necessidades.

  1. Garantir o acesso aos cuidados de saúde

É essencial assegurar o acompanhamento, a vigilância e os cuidados de qualidade das pessoas com diabetes. A aposta na educação terapêutica e no apoio pelos pares deve ser incluída nos serviços de saúde, dada a evidência da sua eficácia para o apoio psicológico, melhoria dos resultados de saúde e bem-estar. O acesso à inovação deve ser garantido com base em modelos de avaliação que incluam as pessoas com diabetes e resultados que, para elas, sejam relevantes. A integração de novas tecnologias e a digitalização da saúde devem ser acompanhadas de estratégias de aumento da literacia em saúde e de mecanismos que assegurem que ninguém fica para trás.

 

TEMPO DE MUDANÇA

Este é um tempo de mudança que nos desafia e nos desperta para a necessidade urgente de medidas concretas e eficazes. A resposta a estes desafios será tanto mais eficaz quanto melhor formos capazes de incluir as pessoas com diabetes em todos os níveis dos processos de decisão. É necessário mudar o paradigma da comunicação entre as pessoas com diabetes e o sistema de saúde e aproveitar todo o conhecimento que elas podem introduzir.

 

DESTAQUE

Números da diabetes em Portugal

Segundo dados do Relatório Anual do Observatório Nacional da Diabetes – “Diabetes: Factos e Números”, referente a 2018, a prevalência estimada da diabetes na população adulta portuguesa, entre os 20 e os 79 anos, foi de 13,6%. Isto significa que mais de 1 milhão de portugueses neste grupo etário têm diabetes, dos quais 56% com diabetes diagnosticada e 44% por diagnosticar.

Leia o artigo completo na edição de maio 2021 (nº 316)