O uso de oxigenoterapia para tratamento de doentes é um tema complexo, intricado e que requer conhecimento e competência. Embora seja desejável descomplicar o assunto, tal não significa simplificar.

Artigo da responsabilidade do Dr. Nuno Cortesão. Pneumologista e intensivista

 

É do senso comum que a necessidade de usar oxigénio (O2) é um sinal de gravidade. E assim é! O O2 é uma molécula vital para o funcionamento do organismo humano, nomeadamente para a produção de energia em cada célula do nosso corpo.

Cabe ao sistema respiratório, cardiocirculatório e hematológico a tarefa de transportar o O2 que respiramos até ao seu destino final – a mitocôndria (estrutura dentro de cada célula responsável pela produção de energia). Para que este objetivo se cumpra, é preciso que estes sistemas funcionem normalmente e que se articulem adequadamente entre si.

Em particular, para que isto aconteça, é necessário que todos os seguintes elementos sejam saudáveis:

  1. Brônquios, que permitem a entrada de ar nos pulmões;
  2. Pulmões, que possibilitam a passagem do O2 para o sangue;
  3. Coração, que bombeia o sangue para todo o corpo;
  4. Artérias, que conduzem o sangue até às células;
  5. Hemoglobina, que transporta, dentro do sangue, o O2.

O equilíbrio entre todos estes sistemas são uma verdadeira maravilha biológica, que devemos preservar da melhor forma que pudermos. Se algum destes sistemas funcionar mal, pode haver uma diminuição da quantidade de O2 disponível para entregar às células. Chama-se a isto HIPOXEMIA (nível baixo de O2). Em situações mais graves, nas quais a quantidade de O2 no sangue é inferior a um determinado valor considerado um mínimo indispensável, atingimos um outro patamar de gravidade, que se chama insuficiência respiratória (IR).

INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA

A identificação/diagnóstico de insuficiência respiratória requer a realização de testes que medem a quantidade de O2 no sangue. Há dois testes que podem ser usados:

  1. Gasimetria arterial. É um exame invasivo que implica a recolha de sangue de uma artéria para análise posterior. Este exame fornece um conjunto grande de parâmetros relacionados com a respiração;
  2. Oximetria de pulso. É um teste não-invasivo para medir a quantidade de O2 no sangue. Este método ficou famoso com a pandemia da covid-19. Efetivamente, raros são aqueles que não têm um oxímetro em suas casas e que colocam num dedo para medir a saturação de O2 (SpO2). A medição pode ser feita de forma pontual (feita ocasionalmente, num determinado momento do dia), durante o sono, durante o exercício ou, até mesmo, durante 24 horas. Considera-se como um valor normal uma SpO2 superior a 94%.

Outro aspeto importante é a rapidez com que aparece uma IR. A IR aguda ocorre em situações de doença aguda, como uma pneumonia, um enfarte agudo do miocárdio ou uma embolia pulmonar.

A IR crónica surge de forma mais lenta, progressiva, geralmente ao longo de anos e pode acompanhar doenças respiratórias (tais como a doença pulmonar obstrutiva crónica – DPOC – ou a fibrose pulmonar), mas também doenças cardiocirculatórias (como a insuficiência cardíaca ou a hipertensão pulmonar). É sobre esta última forma de IR que se debruça este texto.

OXIGÉNIO MEDICINAL

Sempre que há uma situação de IR, é preciso equacionar tratamento com O2. Ou seja, pode ser necessário repor a falta de O2 com recurso ao chamado O2 Medicinal.

No caso da IR aguda, esse tratamento é feito em regime hospitalar (seja num Serviço de Urgência, seja no internamento). Em relação à IR crónica, é necessário recorrer a dispositivos de aporte de O2 domiciliários, geralmente disponibilizados pelas empresas de Cuidados Respiratórios Domiciliários.

Existem dois tipos de O2 domiciliário:

  1. O2 gasoso que conta com 2 sub-tipos:

O2 gasoso convencional – Diz respeito às típicas garrafas de O2 que o armazenam no estado gasoso. São cada vez menos usadas, atendendo à sua limitada duração e à necessidade de reabastecimentos regulares;

O2 gasoso por concentrador – Estes dispositivos são os mais frequentemente usados, precisamente porque têm uma duração muito maior. Fundamentalmente, estes equipamentos concentram o O2 presente no ar ambiente, passando de uma concentração de 21% para uma concentração de mais de 90%. São equipamentos dependentes de energia elétrica. Por este motivo, e por razões de segurança, para além do concentrador, é sempre colocada uma garrafa de O2 gasoso convencional como prevenção;

O2 líquido. Estes dispositivos armazenam O2 no estado líquido, dentro de contentores específicos para o efeito e que permitem armazenar uma maior quantidade de O2 do que o O2 gasoso convencional. Requerem, de igual forma, reabastecimentos regulares e medidas de segurança adicionais. Sob o ponto de vista logístico, é o mais exigente.

VANTAGENS DOS DISPOSITIVOS PORTÁTEIS

Cada um destes tipos de O2 estão disponíveis em equipamentos estacionários (para uso na casa do doente) ou portáteis (permitem deambulação fora casa, garantindo uma maior autonomia do seu utilizador).

Efetivamente, os dispositivos portáteis permitem aos doentes sair de casa, executar tarefas do dia a dia, passear ou, inclusivamente, passar férias ou participar em programas de treino. Dito de outra forma, o O2 portátil (seja por concentrador ou líquido) tem o potencial de reduzir o sedentarismo, a inação e a perda progressiva de capacidade funcional, todos eles profundamente deletérios para a evolução da doença, seja ela qual for.

Efetivamente, a possibilidade de manter algum grau de autonomia, em particular se for articulado com um plano de Reabilitação Respiratória, são uma mais-valia muito relevante dos dispositivos portáteis.

A conexão do O2 ao doente (interface) é feita através de um tubo de plástico transparente que, na ponta, pode terminar em dois pequenos tubos que são colocados na ponta do nariz (lunetas ou óculos nasais) ou numa máscara nasal. Há outros tipos de interface, mas estes são os mais utilizados.

DECISÃO BEM PONDERADA

Há outras situações, particulares e excecionais, que requerem o uso regular de O2. É o caso de doentes que utilizam ventilação não-invasiva, à qual, por vezes, é necessário associar O2, ou o caso de doentes com doenças graves e em estado terminal.

Como se depreende dos parágrafos anteriores, o uso de O2 para tratamento de doentes é um tema complexo, intricado e que requer conhecimento e competência. O uso adequado de O2 para tratamento da IR crónica reduz a mortalidade, aumenta a capacidade de exercício e melhora sintomas de dispneia ou fadiga.

Mas a decisão de iniciar tratamento com O2 deve ser bem ponderada, porque há óbvios efeitos laterais a ter em consideração. Na verdade, a razão o uso de O2 medicinal equipara-se a outro qualquer medicamento, seja comprimido, cápsula, xarope, etc. (Decreto-Lei nº 176/2006). Isto significa que o seu uso deve obedecer a um conjunto bem definido de indicações, deve acautelar contraindicações e efeitos laterais e o seu uso deve ser monitorizado e vigiado ao longo do tempo.

OXIGENOTERAPIA

É muito claro que, se não houver insuficiência respiratória (ou seja, diminuição da quantidade de O2), mesmo que a pessoa sinta dificuldade em respirar ou fadiga, o O2 NÃO é útil. Pelo contrário, o seu uso inadequado condiciona um conjunto de desvantagens que importa evitar.

Na prática, caberá ao médico definir o tipo de O2, o tipo de reservatório, a quantidade de O2 a usar (débito de O2), a duração ou período do dia em que o deve fazer e que tipo de interface deve ser usado. Chama-se a isto OXIGENOTERAPIA.

Em resumo, descomplicar um tema como o da oxigenoterapia não significa simplificar!

O ideal é que cada um de nós preserve o seu sistema respiratório, evitando respirar ambientes poluídos. Bem sabemos que, atualmente, é difícil respirar um ar puro, sem contaminação por gases, fumos, vapores, partículas ou, inclusivamente, microplásticos. Mas há, naquilo que está ao nosso alcance, algo que podemos fazer e este é o meu conselho final: se não fuma, continue assim; se fuma, pare já!

Leia o artigo completo na edição de novembro 2022 (nº 332)