É urgente a compreensão de que a parentalidade atual é muito mais desafiante do que há décadas e, por isso, cabe-nos aprender a desmistificar estes desafios.

Artigo da responsabilidade de Sandra Carujo. Coach, especialista em Eneagrama Parental, especialista em Educação Montessoriana, certificada em Inteligência Emocional e Social, e certificada em Parentalidade e Educação Positivas. 

 

Ao longo dos últimos anos, muitas pessoas têm falado dos desafios da parentalidade. Sinto que é importantíssimo abordar este tema, pois nem sempre foi assim.

Eu, por exemplo, gostava, antes de ter sido mãe, que meus pais me tivessem sentado ao lado deles e me contado os desafios que passaram comigo e com a minha irmã. Era importante ter tido a sua visão e, se calhar, eu teria pesquisado um pouco sobre o que é a parentalidade e sobre a sua importância! Sei, hoje, que ter ouvido muitas histórias boas e menos boas, relativamente à educação e aos seus sentimentos e desafios, ter-me-ia preparado emocionalmente, de uma outra forma, para esta fase.

É urgente normalizar a ideia de que ser pai ou mãe é muito desafiante, pois ultrapassa em muito a ideia popular de que “só necessitamos de trazer filhos a este mundo e é tudo simples.

É muito mais do que isso e esse é o grande motivo pelo qual falo sobre quais são, para mim, os desafios da parentalidade.

MATERNIDADE E PARENTALIDADE

Quando fui mãe pela primeira vez, gostava de ler sobre como tratar um bebé e sobre o seu desenvolvimento, e ouvir vários especialistas sobre a matéria. No entanto, ninguém fazia a distinção entre a maternidade e a parentalidade, colocando tudo no mesmo saco, levando a que, ainda hoje, muitas pessoas façam confusão entre estes dois termos.

Desmistificando, a parentalidade é falar sobre os pais e sobre como podem educar os seus filhos, pois é aí que começa a verdadeira dor e magia de ser pai e mãe. Encontrar um equilíbrio onde aquilo que os pais sentem também importa e deve ser valorizado para o bem-estar de todos. Naturalmente, criando algum choque com a sociedade em que fomos criados, onde o foco era apenas e só o bebé.

Continuar a reproduzir a forma como fomos educados está intrínseco em nós e, se não estudarmos sobre a parentalidade e o tipo de pais e mães que queremos ser, vamos acabar por fazer as mesmas coisas, ainda que não seja o que sentimos ser mais certo.

FALTA DE TEMPO E DE DISPONIBILIDADE

Vivemos, atualmente, numa sociedade em que as crianças têm tudo à sua disposição. Isto, conjugado com a falta de tempo e de disponibilidade da nossa parte, pais, acaba por passar o ónus da educação, afeto e divertimento para os aparelhos informáticos e para as atividades extracurriculares, gerando mudanças profundas entre gerações. E, consequentemente, algumas colisões, próprias das diferenças e aprofundadas pela precaridade de tempo e disponibilidade parental, condicionada por horários e cargas de trabalho quase incompatíveis para educar os filhos e, acima de tudo, aproveitá-los.

Vivemos, atualmente, a síndrome do tempo, pois queremos vivenciar, saber e fazer tudo no mínimo tempo possível, achando que esta loucura nos permite estar sempre atualizados.

Sinto na pele tudo isso, começando pela falta de tempo de estar verdadeiramente com as minhas filhas, devido ao stress do dia a dia, que me leva a ficar sem paciência para ouvir as suas histórias.

Sinto que pisquei os olhos e foi quando dei por mim com três crianças num ritmo alucinante, sem tempo para elas, sem tempo para mim, sem tempo para a minha relação amorosa…

O VERDADEIRO DESAFIO

Um dia, sentei e pensei porque é que eu quis ser mãe? O que estou eu a transmitir?

Demorei-me vários dias, semanas ou meses nesta reflexão e, finalmente, percebi que o verdadeiro desafio da parentalidade começa dentro de nós, pois trata-se de encontrar o equilíbrio, sem colocar as crianças no centro de tudo, levando a uma exaustão de todas as relações.

Ao compreender isto, comecei a viver, verdadeiramente, o mundo da parentalidade, consciente de que os desafios continuam a acontecer e sabendo que vão sempre existir. Porém, a diferença aconteceu dentro de mim. Hoje, uso as ferramentas que estão ao meu alcance para tornar a vida mais leve, com mais significado e valores para mim e para as minhas filhas, pensando no equilíbrio familiar e não apenas nelas.

O CAMINHO

Para percorrer este caminho, é importante que consigamos ter:

Autorregulação, para criarmos conexão, dado que as crianças crescem interiormente sempre que se sentem compreendidas.

Capacidade de guiar, pois os filhos não são nossos, nem no corpo, nem na vontade. São nossos no coração e temos como tarefa guiá-los para abrirem o coração à vida e a si próprios.

Todos os desafios de comportamento são uma oportunidade de aprendizagem, e a forma como lhes respondemos é o que vai permitir o desenvolvimento de competências. Para além disto, nós próprios somos o nosso maior desafio e, por isso, existem igualmente outros desafios comuns para os pais e mães.

ATENÇÃO EXTRA

Posso enumerar os desafios que sinto serem importantes, neste mundo fantástico da parentalidade, para os quais devemos ter uma atenção extra:

Desequilíbrio entre vida profissional e pessoal – Leva à tendência para nos focarmos mais numa área do que na outra.

Viver num ritmo acelerado – É importante criar momentos para estarmos uns com os outros e nos conhecermos cada vez melhor.

Demasiada informação – O excesso de informação (muitas vezes, contraditória) leva a que tudo fique demasiado confuso. Tentemos filtrar mais.

Síndrome da culpa – O clássico de que temos de ser perfeitos para os nossos filhos e, se não somos, culpamo-nos. Paremos com isso, já!

Parentalidade digital – Tentemos policiar-nos e não substituir a parentalidade pelo digital.

Obrigatoriedade de ter sucesso e ser feliz – Falhar e acertar faz parte da vida.

Covid-19 – O convívio 24/24horas criou a oportunidade de maior interação e observação, tendo criado impacto no bem-estar e no mal-estar dos filhos. Pais viram-se confrontados com as suas dificuldades e competências. Criemos leveza nas nossas relações.

É urgente a compreensão de que a parentalidade atual é muito mais desafiante do que há décadas e, por isso, cabe-nos aprender a desmistificar estes desafios.

Leia o artigo completo na edição de novembro 2022 (nº 332)