A dermatite atópica (DA) é uma doença inflamatória de carácter crónico e recidivante. É muito frequente e afeta 10-20% da população pediátrica a nível mundial.

 

Artigo da responsabilidade da Dra. Leonor Ramos Dermatologista no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra

 

 

Cerca de 85% dos casos de dermatite atópica surgem antes dos 5 anos (o mais habitual é manifestar-se nos primeiros 2 anos de vida, embora possa surgir em qualquer idade); cerca de 40% dos doentes em que se manifesta inicialmente na idade pediátrica mantêm a doença na idade adulta. É, pois, uma doença com prevalência elevada, em crianças pequenas e adolescentes, isto é, em faixas etárias com particularidades importantes.

A DA é uma doença considerada multifactorial, ou seja, tem múltiplas causas para o seu aparecimento. Entre essas, salientam-se:

  • fatores genéticos (se um dos pais tiver DA, o risco de os filhos a desenvolverem aumenta consideravelmente);
  • alterações da função de barreira cutânea (a pele não tem o seu efeito de defesa íntegro), o que permite a “entrada” de alergenos (“agentes externos”) através da pele. Esses fatores, em conjunto, desencadeiam uma resposta inflamatória, com aparecimento de lesões de eczema. A DA pode também estar associada a outras doenças que surgem de forma sucessiva, como alergias alimentares, asma e rinite alérgica (a denominada “marcha atópica”), embora esta progressão não seja, de todo, obrigatória. Salienta-se que a associação a alergias alimentares é uma exceção e não a regra, pelo que deverão ser feitos exames complementares para despiste desta possibilidade, apenas em casos selecionados.

Clinicamente, é uma doença com espectro amplo de apresentação e de gravidade. Nas formas moderadas a graves, as lesões cutâneas são extensas, manifestando-se com eritema (“vermelhidão”), prurido (“comichão”) e xerose marcadas (“pele seca”).

O tipo de lesões também varia consoante a idade do doente: nas crianças pequenas, as lesões são mais “agudas” – existem vesículas (“bolhinhas com água”), exsudação (“aguadilha”) e crostas -, enquanto nas crianças mais velhas e nos adolescentes têm natureza mais crónica: lesões eritematosas e descamativas, liquenificadas (pele muito mais espessada), e escoriação marcada (visualizam-se crostas lineares secundárias ao ato de coçar).

Nos bebés (até aos 2 anos), as lesões atingem quase sempre o rosto, couro cabeludo e pescoço, surgindo também de forma dispersa pelo resto do corpo (poupam normalmente a área da fralda).

Nas crianças mais velhas (>2 anos) e nos adolescentes, as lesões atingem principalmente as “dobras” dos braços e pernas, os punhos, os tornozelos, as mãos e as pálpebras. No entanto, outras áreas podem ser afetadas.

A DA não é uma doença dermatológica pura, já que tem uma elevada repercussão emocional, quer nos doentes quer nos seus cuidadores que, diariamente, a têm de enfrentar. As famílias são afetadas de forma muito abrangente, sendo a redução da qualidade do “sono”, devido ao prurido intense, uma das mais referidas e com maior impacto. As perturbações do sono provocam fadiga diurna, podem interferir no rendimento escolar (défice de atenção) e até levar ao absentismo escolar.

Inúmeros aspetos do quotidiano são influenciados negativamente pela DA: perturbação da autoimagem, inibição e dificuldade em estabelecer relações de amizade, de consequências gravosas nas crianças e adolescentes, cuja personalidade está em desenvolvimento. Há um maior grau de stress escolar e limitações na prática de atividade física, com nervosismo, isolamento e tristeza daí decorrentes.

Os pais de crianças e adolescentes com DA têm preocupações acrescidas na escolha das roupas (por vezes os próprios doentes recusam usar mangas curtas e calções/saias para não expor as lesões ativas e as marcas residuais), e é frequente manifestarem receio quanto ao futuro dos filhos, dado o impacto psicológico da DA, com sentimentos de vergonha, ansiedade e frustração.

É importante referir que ainda há um estigma social – a ser combatido – pelo eventual contágio de doenças dermatológicas inflamatórias.

No que respeita à abordagem terapêutica, a DA implica um tratamento diário, sendo essencial que se estabeleça uma rotina quotidiana de aplicação de emolientes (“cremes hidratantes” adequados para o controlo de base da doença), por vezes morosa, já que a adesão terapêutica na faixa etária a que nos referimos é bastante difícil. O tratamento das “crises” deve ser efetuado recorrendo a agentes tópicos anti-inflamatórios (dermocorticóides de diferentes potências ou inibidores tópicos da calcineurina).

Apesar de estas medidas serem suficientes para o tratamento de casos ligeiros de DA, havia, até há muito pouco tempo, um vazio terapêutico para as crianças e os adolescentes com DA moderada a grave. Os agentes classicamente usados nos adultos (imunossupressores orais) não estão aprovados em crianças e adolescentes. Além disso, os efeitos secundários a eles associados (diminuição das defesas contra infeções, alterações da função dos rins e do fígado, entre outras) não são negligenciáveis, e causavam ainda mais problemas quando se ponderava a sua utilização no tratamento desta doença nestas faixas etárias.

Neste contexto, o aparecimento recente de agentes biológicos com alvos terapêuticos muito mais específicos, com ação mais direcionada e sem depressão imunológica associada, permitem o tratamento eficaz e seguro destas crianças e adolescentes, que tanto sofrem física e psicologicamente com esta doença.

Em suma, a abordagem da DA é complexa. Por isso, uma criança ou adolescente suspeita de ser portador de DA deve ser observada por um dermatologista para que este estabeleça um correto diagnóstico (pois existem outras patologias dermatológicas que devem ser excluídas), a determinação de uma orientação adequada e a prescrição do tratamento personalizado à situação clínica em causa.

Apenas desta forma será possível um controlo eficaz da dermatite atópica e das suas consequências já anteriormente referidas, que não devem, de forma alguma, ser descuradas, pelo forte impacto negativo que provocam.