Fortemente associado à cirrose derivada do consumo excessivo de álcool ou de hepatites crónicas, mas não só, o carcinoma hepatocelular é um cancro com origem no fígado considerado bastante agressivo, quando o diagnóstico é tardio.

 

Artigo da responsabilidade da Dra. Rosa Coelho. Serviço de Gastrenterologia do Centro Hospitalar São João, a convite da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia

 

O carcinoma hepatocelular é um cancro com origem no fígado que ocorre, mais frequentemente, em pacientes com doenças crónicas do fígado, habitualmente na presença de cirrose hepática. No entanto, até 1/4 dos doentes não têm cirrose ou fatores de risco para esta doença.

É o tumor com origem no fígado mais frequente e, na maioria das vezes, o seu diagnóstico é realizado tardiamente, pelo que, em média, após o diagnóstico, o tempo de sobrevida do doente é de 6 a 20 meses.

EPIDEMOLOGIA 

Este tipo de tumor é cerca de três vezes mais frequente em homens do que em mulheres, ocorrendo na Europa na faixa etária entre os 60 e os 70 anos. Existe, contudo, um tipo de tumor com origem no fígado – tipo fibrolamelar – que ocorre em doentes mais jovens (com idades entre os 5-35 anos) e, quando é possível de ser tratado cirurgicamente, o seu prognóstico é melhor em comparação com os outros cancros do fígado.

Em todo o mundo, nos últimos anos, tem-se verificado um aumento deste tipo de tumores. A sua incidência é mais elevada na Ásia e em África, onde as infeções por hepatite B e C são mais frequentes, predispondo ao desenvolvimento de doença hepática crónica e, consequentemente, ao hepatocarcinoma.

Felizmente, as atuais estratégias internacionais de vacinação para o vírus da hepatite B e os avanços nos medicamentos utilizados para o tratamento da hepatite C poderão ter um impacto significativo na redução deste tipo de cancros hepáticos.

FATORES DE RISCO  

Mais da metade dos doentes com cancro do fígado apresentam cirrose, que pode estar associada ao consumo excessivo de álcool ou hepatites crónicas.

As principais causas de hepatites crónicas são a infeção pelo vírus da hepatite B e C, que são fatores de risco para o desenvolvimento de cancro hepático.  Outra doença que pode estar na origem do cancro do fígado é o chamado “fígado gordo” (esteato-hepatite não alcoólica).

Doenças mais raras, como a hemocromatose (doença hereditária em que existe acumulação excessiva de ferro no fígado), podem ainda ser causa de tumores hepáticos.

SINAIS E SINTOMAS 

Nos doentes com cirrose, os sintomas e alterações ao exame físico são geralmente devidos à cirrose subjacente e não ao tumor em si.

Os sintomas do cancro hepatocelular podem ser inespecíficos, como perda de peso, falta de apetite e emagrecimento. Os doentes podem ainda referir queixas como sensação de enfartamento após uma refeição ligeira, vómitos, dor abdominal do lado direito, icterícia (pele e mucosas de cor amarela), aumento da barriga por acumulação de líquido abdominal, febre e prurido (comichão).

No entanto, alguns doentes que apresentam cancros numa fase inicial não apresentam sintomas relacionados com o tumor.

RASTREIO E DIAGNÓSTICO

Os doentes com risco elevado de virem a desenvolver cancro do fígado (nomeadamente os que apresentam cirrose e alguns com infeção pelo vírus da hepatite B) devem ser submetidos a um rastreio periódico. Este rastreio inclui a realização de uma ecografia abdominal e a avaliação numa análise de sangue de um marcador tumoral designado alfa-fetoproteína.

Este rastreio permitirá o diagnóstico mais atempado do tumor hepático, aumentando assim as hipóteses de um tratamento com sucesso.

O diagnóstico de hepatocarcinoma pode ser suspeitado através de ecografia abdominal e confirmado por TAC ou ressonância magnética. Em alguns casos, o diagnóstico definitivo requer a realização de uma biópsia do nódulo.

Após o diagnóstico de um tumor do fígado, é necessária uma avaliação multidisciplinar, realizada por várias especialidades médicas, entre elas Gastrenterologia, Cirurgia, Radiologia e Oncologia, de forma a decidir qual a melhor opção de tratamento.

TRATAMENTO  

O tratamento do cancro do fígado depende de vários fatores, entre eles: a localização e a extensão do tumor, se a função do restante fígado está preservada, bem como o estado geral do doente (existência ou não de outras doenças).

Tumores de pequenas dimensões limitados ao fígado poderão ser removidos por cirurgia. Contudo, em doentes com cirrose, este tipo de tratamento pode não ser possível de se realizar, porque uma parte importante do fígado poderá estar danificada.

Outra possibilidade de tratamento curativo é a realização de um transplante de fígado, que implica uma avaliação exaustiva, de forma a se decidir se o doente é ou não um candidato adequado a este tipo de tratamento.

Quando o transplante ou a cirurgia não são possíveis ou enquanto as pessoas esperam por um transplante, poderão ser iniciados tratamentos locais. Estas opções podem ajudar a diminuir o crescimento do cancro e aliviar os sintomas do doente.

Existem vários tipos de tratamento que podem ser oferecidos ao doente e que têm como objetivo a destruição local do tumor através da injeção de uma substância ou da aplicação de energia nas células tumorais.

A quimioembolização consiste na injeção de quimioterapia nos vasos que alimentam o cancro. Já na radiofrequência é utilizada energia elétrica e na radioterapia interna seletiva é usada radiação que permite a destruição local do tumor.

Atualmente existe ainda a possibilidade de realizar quimioterapia oral, através da toma de medicamentos, como sorafenib e regorafenib.

Existem , por fim, outras quimioterapias a serem estudadas como tratamento para este tipo de tumores.

PREVENÇÃO

É fundamental a prevenção do desenvolvimento de doenças hepáticas, independentemente da sua causa. Assim, é fundamental tratar adequadamente infeções como hepatites B e C crónica, doenças hepáticas relacionadas com fígado gordo, consumo de álcool e excesso de acumulação de ferro no fígado (hemocromatose).

Leia o artigo completo na edição de outubro 2021 (nº 320)