A terapêutica com canábis medicinal não veio substituir nenhuma outra terapêutica, mas veio reforçar o leque de opções que os médicos têm para adequar as suas prescrições às necessidades individuais dos doentes.

 

Artigo da responsabilidade do Dr. Hugo Ribeiro. Médico paliativista. Coordenador da Equipa Comunitária de Suporte em Cuidados Paliativos, Gaia

 

O sistema endocanabinoide é composto pelos endocanabinoides (encontrando-se em áreas específicas do cérebro e sendo libertados perante determinados estímulos), pelas enzimas responsáveis pelo seu anabolismo e catabolismo e pelos recetores canabinoides, dos quais se destacam o CB1 (mais presente no sistema nervoso central) e o CB2 (maioritariamente encontrado em células do sistema imunitário).

Os recetores CB2 estão relacionados com a regulação da inflamação e da resposta imunitária, enquanto os recetores CB1 estão relacionados com o controlo do apetite, a regulação motora, a memória e os efeitos psicoativos.

Efeitos benéficos

Os fitocanabinoides que demonstram ter um papel terapêutico relevante são o delta9-tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD). Ambos apresentam efeitos acentuados, benéficos, no controlo da dor e da ansiedade, sendo que o THC demonstrou ser um potente estimulante do apetite (ao contrário do CBD, que não tem este efeito), do relaxamento muscular e tem um efeito antiemético marcado, enquanto o CBD apresenta efeitos anticonvulsivantes, anti-inflamatórios e antipsicóticos.

Controlo dos sintomas

Porque é que os canabinoides são importantes para os Cuidados Paliativos? Um dos pilares essenciais dos Cuidados Paliativos é o controlo adequado de sintomas. As doenças mais frequentes que necessitam da atuação e da atenção particular dos Cuidados Paliativos são as doenças oncológicas, as neurodegenerativas e as insuficiências de órgão. E os sintomas mais frequentes e também de maior dificuldade no seu controlo são a dor, os sintomas neuropsíquicos (como a ansiedade, a depressão, a insónia e o delirium), os sintomas respiratórios (como a dispneia, a tosse e a asfixia) e os sintomas gastrointestinais (como a diarreia, a obstipação, as náuseas, os vómitos e a perda de apetite).

Assim sendo, e tendo em conta que os fitocanabinoides têm uma atuação com eficácia e segurança demonstradas no controlo de muitos destes sintomas, é natural que sejam uma opção válida na abordagem e tratamento multimodal que deve nortear a nossa atuação.

Terapêutica não isenta de riscos

A terapêutica com canábis medicinal não veio substituir nenhuma outra terapêutica, mas veio reforçar o leque de opções que os médicos têm para adequar as suas prescrições às necessidades individuais dos doentes. Porque a abordagem farmacológica com medicamentos que atuem em várias vias, recorrendo a doses mais baixas, cria sinergismos que são essenciais para a eficácia terapêutica e para evitarmos reações adversas.

Contudo, a canábis medicinal não é isenta de riscos e de efeitos secundários: a fadiga, a sonolência e as tonturas são relativamente frequentes, sobretudo se a titulação/dose não for a mais adequada, assim como a confusão mental, a taquicardia, as mudanças no humor e as alucinações, sobretudo com as formulações com THC, pelo seu efeito psicoativo.

Leia o artigo completo na edição de março 2022 (nº 325)