Durante a pandemia covid-19, mais de metade dos profissionais de saúde apresentaram sinais de burnout, stress e ansiedade, de acordo com um estudo realizado pela faculdade de medicina da universidade do porto. Devemos fazer algo para os ajudar.

Artigo da responsabilidade da Dra. Tânia Daniela Carvalho. Psicóloga Clínica; www.taniadanielacarvalho.pt

 

“Quase três em cada quatro (72,2%) profissionais de saúde apresenta níveis médios ou elevados de exaustão emocional e valores semelhantes de burnout. (…) Em Portugal, entre 2011 e 2013, 21,6% dos profissionais de saúde apresentaram burnout moderado e 47,8% burnout elevado”, pode ler-se no  Barómetro COVID-19, projeto de investigação da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP).

Estes são dados que nos indicam que o burnout é uma preocupação atual quanto aos nossos profissionais de saúde e que devemos fazer algo para os ajudar. Pessoas que estão na linha da frente são formadas e preparadas para ajudar o próximo, com um notável espírito de missão, focadas e preparadas para a ação, não estando, portanto, preparadas para elas próprias receberem ajuda de outros.

Sensação de perigo constante

Outro facto que ocorre quando estes profissionais estão na linha da frente é que existe uma sensação de perigo constante, a qual aumenta os seus níveis de adrenalina no organismo, ocorrendo uma ativação persistente e um alerta, que não os permite, de maneira nenhuma, abrandar.

Repare-se que o burnout entre profissionais de saúde já se faz sentir com um aumento considerável, apresentando grandes repercussões na sua saúde mental e psicológica, bem como nos serviços que prestam.

Contudo, devido às necessidades e exigências atuais, é importante sensibilizarmos estes profissionais para o seu próprio autocuidado diário e para a necessidade urgente de cuidarem da sua saúde mental, para que continuem a ter a capacidade de exercer a sua profissão – ou missão, como muitos descrevem.

Jamais podemos culpar os nossos profissionais de saúde por desenvolverem essa síndrome, pois ela é o reflexo da sobrecarga horária, da escassez de recursos (quer materiais, quer humanos), de um aumento do número de doentes ao cuidado de cada profissional, do acúmulo de tarefas e responsabilidades, das exigências e desafios diários (enfrentar a doença altamente contagiosa, com consequências graves e sem um tratamento cabal), da falta de descanso, de um contexto de grande incerteza, da necessidade de confortar emocionalmente alguns doentes, de comunicar o agravamento de quadros clínicos ou falecimentos a familiares, de lidar com a morte a todo o momento, do afastamento das suas famílias e da falta de apoio destes, entre outros. Enfim, de todo o panorama global que atravessamos.

AFINAL, O QUE É O BURNOUT?

O burnout ou síndrome de esgotamento profissional é um tipo específico de stress ocupacional, provocado pelo trabalho e caracterizado, sobretudo, pela exaustão emocional e diminuição do envolvimento pessoal no trabalho.

O burnout apresenta sintomas que incluem a sensação de esgotamento físico e emocional, apatia, desânimo, ansiedade, atitudes negativas no trabalho como isolamento, mudanças bruscas no humor, irritabilidade, alterações do sono, sentimento de incapacidade ou inferioridade, falta de motivação, ausência de criatividade e pessimismo.

Também apresenta manifestações físicas como: enxaqueca, cansaço constante, palpitações, pressão alta, dores musculares, crises de asma e distúrbios gastrointestinais.

São notórias as consequências para a vida pessoal e profissional do indivíduo. A nível pessoal, o burnout pode afetar o bem-estar psicológico, emocional e físico, as relações familiares, profissionais e com amigos. No campo profissional, o burnout pode levar ao absentismo, acidentes de trabalho, perda de produtividade ou diminuição do compromisso com o trabalho. A acrescentar, os custos económicos do burnout, como, por exemplo, a perda de salário e os gastos com consultas e tratamentos.

Reconhecido como doença

Alguns fatores podem contribuir para o desenvolvimento de situações de burnout. São exemplos disso uma carga de trabalho elevada e superior à capacidade do trabalhador, horários de trabalho por turnos, contínuos ou acima das 8 horas diárias recomendadas, ausência de momentos para descanso, conflitos laborais, má relação entre colegas e/ou superiores hierárquicos, realizar tarefas com grande exigência a nível emocional, dificuldade em manter o equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional e incapacidade na resolução de problemas pessoais que possam ter impacto no trabalho.

No Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM V, publicado em 2014, pela Associação Americana de Psiquiatria, o burnout não é reconhecido como uma doença. Porém, na CID-10, Classificação Internacional das Doenças, encontra-se no capítulo “fatores que influenciam o estado da saúde ou o contacto com os serviços de saúde”, que diz respeito às razões para contactar os serviços de saúde que não são consideradas doenças. Na 11.ª revisão da CID, que entrará em vigor em 2022, entra na lista de doenças, descrito como “problemas associados com o emprego e o desemprego” e tem o código QD85. Na lista de classificação, o burnout é definido como “uma síndrome que resulta de um stress crónico no local de trabalho que não foi bem gerido”. São descritas três dimensões desta síndrome: sensação de esgotamento de energia ou exaustão; aumento da distância mental do emprego ou sentimentos de negativismo ou cinismo relativamente ao emprego; e sensação de ineficácia e falta de realização. Importa salientar que o burnout refere-se a fenómenos no contexto profissional e não deve ser aplicado para descrever experiências noutras áreas da vida.

Com a evolução do problema, poderão surgir perturbações mentais ou outros problemas, como a ansiedade generalizada, a depressão, o alcoolismo ou o suicídio.

Leia o artigo completo na edição de março 2021 (nº 314)