Num mundo em mudança, em que somos confrontados com novas dinâmicas sociais e ambientais, os cuidados oferecidos às pessoas idosas devem ser profundamente repensados e adaptados. É urgente um novo olhar sobre os estilos de vida, a prevenção da doença e o tratamento personalizado.

 

Pelo Dr. João Malva. Coordenador Ageing@Coimbra. Investigador-coordenador da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra

 

A esperança de vida na Europa – e em Portugal – não tem sido acompanhada por um aumento equivalente na saúde dos cidadãos nos últimos anos da sua vida. Vivemos mais anos, mas muito do tempo de vida no envelhecimento é passado com limitação funcional provocada por diversas patologias crónicas, fragilidade e saúde precária.

A saúde como estado de equilíbrio funcional, fisiológico e psicológico depende da relação do nosso cérebro, e da nossa mente com o nosso corpo e com o ambiente físico e social que nos rodeia. Num mundo em mudança, em que somos confrontados com novas dinâmicas sociais e ambientais (incluindo o envelhecimento das populações, as migrações e as alterações climáticas), os cuidados oferecidos às pessoas idosas devem ser profundamente repensados e adaptados. É urgente um novo olhar sobre os estilos de vida, a prevenção da doença e o tratamento personalizado, em que se valorize a integração de cuidados centrados nas pessoas e nas famílias.

Redes colaborativas

O envelhecimento das populações na Europa antecipa desafios que exigem soluções inovadoras baseadas no conhecimento e investigação. O reconhecimento desta nova realidade tem gerado um forte debate em torno da questão do envelhecimento, criando a oportunidade para o surgimento, nos últimos anos, de redes colaborativas de instituições que procuram soluções para os problemas de uma sociedade que está a envelhecer. Um pouco por todo o lado aposta-se em formação e na investigação, procura-se envolver as instituições públicas e privadas e os serviços de saúde e apoio social, bem como promover o empreendedorismo em torno desta nova realidade.

É urgente inovar e criar boas práticas com impacto. Boas práticas que possam ser replicadas para chegar a mais pessoas. E é sobre estas práticas, inovadoras, que importa refletir de modo a avaliar o impacto que podem ter na vida das pessoas mais velhas, nos seus cuidadores e famílias.

Centro de Referência

Neste contexto, a criação de redes colaborativas inovadoras, que promovem boas práticas e intervenções para promover a vida saudável e o envelhecimento ativo, são particularmente importantes. O Ageing@Coimbra emergiu na Região Centro de Portugal como uma dessas redes colaborativas que oferece plataformas de colaboração multidisciplinar, criadora de inovação com profundo impacto na sociedade.

O Ageing@Coimbra foi considerado como o primeiro Centro de Referência para o Envelhecimento Ativo e Saudável português, com reconhecimento pela Comissão Europeia. Os Centros de Referência para o Envelhecimento Ativo e Saudável, que ultrapassam uma centena na Europa, oferecem uma plataforma colaborativa holística para os seus parceiros, com impacto na sociedade e no mercado, estimulando o desenvolvimento, adoção e replicação de boas práticas inovadoras, com a ambição de chegar aos cidadãos.

Tomemos como exemplo os Prémios de Boas Práticas para o Envelhecimento Ativo e Saudável, atribuídos recentemente em Coimbra, através do consórcio Ageing@Coimbra e dos seus membros nucleares. Com foco em três categorias distintas (Conhecimento +, Saúde +, Vida +), os projetos submetidos a concurso, pelas entidades que os desenvolvem, revelam ambição para transformar o conhecimento académico e a investigação em valor de mercado e em qualidade de vida e saúde.

Ideias inovadoras

Na categoria Conhecimento + vemos surgir ideias como um carrinho de compras de supermercado equipado com dispositivo tablet que permite o apoio à orientação do idoso no espaço do supermercado, auxiliando no encontro dos produtos que deseja comprar e, ao mesmo tempo, otimizando o trajeto.

Na mesma categoria foi apresentado o projeto “Walk ID”, que se apresenta como um novo conceito para capa/proteção de meios auxiliares de mobilidade do idoso, nomeadamente de bengalas e andarilhos. As capas, desenhadas para irem ao encontro da personalidade e ambiente da pessoa, permitem transformar o objeto frio e estigmatizado num complemento de vida e adereço complementar ao vestuário.

Na categoria Saúde + são apresentados projetos como um programa personalizado de fisioterapia para recuperação da função respiratória em doentes com insuficiência respiratória obstrutiva crónica; um sistema de apoio de atividade física dirigida ao trabalhador, em ambiente laboral; um programa personalizado de fisioterapia; e ainda um projeto que, implementado em ambiente hospitalar, visa a aplicação sistemática de intervenções dirigidas aos idosos, partindo de quatro elementos base: Motivação, Reconciliação Terapêutica, Estado Mental e Mobilidade.

Na categoria Vida+, mais associada à qualidade de vida, encontramos uma maleta pedagógica para atividades lúdicas com seniores; um programa integrado de apoio social, que inclui apoio domiciliar, atividades culturais, recreativas e de cocriação; uma rede de apoio aos mais vulneráveis, que cria e mobiliza uma bolsa de voluntariado; um conjunto de atividades ocupacionais baseadas em tecnologia de informação e comunicação; e a criação de uma programação cultural vocacionada para os mais velhos.

Autoestima e independência funcional

Estas são algumas boas práticas que promovem a autoestima e independência funcional dos cidadãos mais idosos, respeitando os seus valores e padrões de vida. O exemplo das atividades mostram que há um caminho a ser trilhado por uma nova geração de inovadores e empreendedores. Estes exemplos revelam ambição para transformar o conhecimento académico, e de investigação, em valor de mercado e em qualidade de vida e saúde. Este é um caminho que deve ser reconhecido pelas entidades públicas e pelos decisores, para que a resposta coletiva aos desafios do envelhecimento seja robusta, à altura do desafio.

Tenhamos todos presentes que o enorme desafio do envelhecimento, com que nos confrontamos, também é gerador de imensas oportunidades para a criatividade e para a inovação.

Leia o artigo completo na edição de janeiro 2022 (nº 323)