O alcoolismo é responsável, não só por alterações orgânicas graves, mas também por comportamentos sociais nefastos. O abuso do álcool representa, atualmente, a forma de toxicodependência mais frequente.

 

Segundo a OMS, o alcoolismo define-se como a ingestão diária de álcool superior a 50g na mulher e a 70g no homem. É uma doença complexa que se desenvolve durante anos, sendo a principal causa de cirrose, uma doença que danifica o fígado e que, em casos graves, conduz à morte.

A intoxicação aguda pelo álcool etílico – etanol – manifesta-se por uma variedade de sintomas, só em parte relacionáveis com os níveis de etanol atingidos no sangue, na medida em que dependem de fatores variados e, sobretudo, do grau de tolerância desenvolvido pelos bebedores.

A principal característica do álcool etílico é o seu efeito depressor sobre o sistema nervoso central. Trata-se, contudo, de uma substância “polivalente”, isto é, com ações distintas, em função da dose e do estado psicológico, ambiental e social da pessoa que a ingere, capaz de determinar reações diferentes e comportamentos variados ou mesmo antagónicos.

O consumo de álcool etílico possui todas as características das toxicodependências: tolerância, dependência psíquica, dependência física e mesmo o aparecimento de síndromas de abstinência, quando se suspende a ingestão.

Como é o funcionamento psíquico do alcoólico?

A impossibilidade de controlar o consumo de álcool é um sintoma que marca, de uma maneira indelével, o funcionamento psíquico do sujeito alcoólico. Porque bebem os alcoólicos “sem travão”? O que pretendem alcançar com a bebida? Existe uma “personalidade alcoólica”?

Numerosos estudos de psicanálise, psiquiatria, psicologia e sociologia coincidem na definição de algumas características comuns da infância dos alcoólicos. As próprias famílias apresentam, frequentemente, carências afetivas e de relacionamento, sobretudo no que se refere à imagem dos pais.

Parece que o fator que, em maior grau, predispõe ao alcoolismo não é uma rejeição afetiva categórica, mas antes uma situação constantemente ambígua de aceitação-negação.

Com efeito, a rejeição total gera uma espécie de “congelação afetiva”,  em que as necessidades emocionais já não são percebidas como tais; em contrapartida, a alternância de ternura e de frieza dá lugar a uma situação psicológica em que as necessidades afetivas estão presentes, mas ficam sempre frustradas.

O alcoólico parece, portanto, sofrer de uma desesperada necessidade de “calor”, que inconscientemente se associa à necessidade de amor, segurança, proteção e afirmação.

A ligação com a mãe é frequentemente problemática e conflituosa e o relacionamento com a figura paterna não parece ser muito melhor. Muitas vezes, encontra-se na história dos alcoólicos um pai frágil e subordinado, que se esquiva ao seu papel de figura de referência, na época das crises da puberdade.

Ciclo vicioso

O adolescente pré-alcoólico tem, portanto, dificuldades em desenvolver um projeto de vida afetiva sólido e bem integrado na sociedade.

As carências afetivas acumuladas, por um lado, e as dificuldades de inserção, por outro, refletem – em contraste com modelos culturais que põem ênfase na autonomia e na segurança em si próprio – a dramática distância entre as necessidades inconscientes de carinho, afirmação e proteção e a necessidade consciente de apresentar aos outros uma imagem de independência e de segurança.

Na idade adulta, com o aumento das responsabilidades, o problema pode agravar-se. O álcool representa, nesse momento, uma “solução” de compromisso: satisfaz, de certa forma, as necessidades “orais” de dependência, dá “calor”, sensação de força e tira temporariamente o indivíduo de situações de angústia.

Em consequência, cria-se com facilidade um ciclo vicioso, em que estados de euforia alternam com estados de depressão e de sentimentos de culpa, que o alcoólico tenta superar recorrendo, mais uma vez, ao álcool.

Autodepreciação

A euforia da embriaguez apaga o “fogo” interior, mas, depois do efeito cessar, a depressão é ainda maior e, juntamente com a angústia, abre caminho para a perda da autoestima, uma autodepreciação que se torna, aparentemente, impossível de resolver.

Também as mulheres são, frequentemente, objeto de problemas de alcoolismo, mas estas convertem-se, muitas vezes, em alcoólicas perante uma crise profunda ligada a um tema específico de perda afetiva.

De qualquer forma, as características básicas e a história familiar são muito semelhantes, em ambos os sexos: carências afetivas e de relacionamento, mãe ambígua, pai fraco ou pouco presente, grandes necessidades insatisfeitas de proteção e de apoio.

O problema do alcoolismo afeta muito intimamente, não só a família de origem, mas também o cônjuge, que muitas vezes cede perante a tentação de desempenhar um papel hiperprotetor.

Se, por um lado, esse comportamento satisfaz plenamente as necessidades inconscientes do alcoólico, por outro lado, não faz mais do que potenciar o seu sentimento de inferioridade e de inadaptação.

Os cuidados do companheiro são, por conseguinte, interpretados como gestos que geram humilhação. Os gestos agressivos e os eventuais episódios de violência devem, portanto, ser interpretados como uma tentativa de rutura do ciclo vicioso patológico revolta-submissão, face aos familiares.

Leia o artigo completo na edição de junho 2021 (nº 317)